terça-feira, 9 de setembro de 2014

“Falta um plano integrado para investir em logística”, diz engenheiro
Vicente de Britto Pereira afirma que o Brasil precisa elevar os investimentos no setor dos atuais 2,1% do PIB para 5,6%
Mariana Mainenti mariana.mainenti@brasileconomico.com.br
Se quiser tornar-se um país competitivo, o Brasil precisa elevar o investimento em logística de transportes dos atuais 2,1% para 5,6% do PIB, fazendo um esforço para chegar a pelo menos 3% no curto prazo. A opinião é do engenheiro Vicente de Britto Pereira, que acaba de lançar o livro “Transportes – História, Crise e Caminhos”, pela editora Civilização Brasileira. Em entrevista ao Brasil Econômico , o especialista diz que não adianta investir sem que o governo estabeleça um plano nacional de transportes.
Que falhas o senhor vê na administração pública da infraestrutura?

É claro que a gestão pública envolve atividades distintas, mas a questão é que não temos uma política nacional de transportes abrangente, para o Brasil inteiro, como tivemos no passado. Na década de 1940, tínhamos arcabouço de política nacional como decorrência do fato de o governo federal ter uma interferência grande nas áreas estaduais e municipais. Hoje, o governo federal só cuida das obras de sua competência.
Falta integração entre as instâncias governamentais?

Acabaram com instituições como a Geipot (antiga Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes) e a EBTU (Empresa Brasileira de Transportes Urbanos) e não se criou nada no lugar. Agora até temos a EPL (Empresa de Planejamento e Logística) para substituir o Geipot, mas ela está cuidando de preparar pacotes de investimentos e não fazendo um planejamento orgânico do setor público federal para a área de infraestrutura. A gestão pública na área rodoviária, em especial, é um problema seriíssimo, porque nós não estamos conseguindo sequer manter as nossas estradas. Antigamente, os planos estaduais tinham de ser aprovados pelo extinto DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem), os planos municipais tinham de ser aprovados pelo estado. Havia um arcabouço de integração. Hoje perdeu-se completamente isso.
Em relação ao governo da presidenta Dilma Rousseff, o senhor acha que houve avanços no campo da infraestrutura de transportes?
Houve um avanço quando foram lançados os PACs (Programas de Aceleração do Crescimento) 1 e 2. O nível de investimento público do setor tinha chegado ao mais baixo nível. Houve uma recuperação por dois, três anos e, a partir de 2011/2012, o investimento começou a cair de novo. E continua caindo. Aumentar um pouco o investimento público está longe de resolver o problema. No livro, levanto todos os investimentos feitos na área rodoviária federal e verifico que eles não conseguem sequer manter o sistema atual em termos de conservação e restauração. Precisaríamos multiplicar por quatro vezes os investimentos para manter o sistema atual. O Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) não conseguiu fazer um programa mínimo de restauração. A duplicação da BR 101 no Sul, ligando Florianópolis a Osório, está em andamento há mais de 20 anos.
Em que os PACs falharam em relação à infraestrutura de transportes?

Eles experimentaram avanço em termos de montante, mas sem nenhum critério. Há vários projetos do PAC que são completamente inviáveis, principalmente no setor ferroviário. A Transnordestina é um exemplo, a Norte-Sul é outro, a integração na Bahia também.
E os programas de concessão previstos no Programa de Investimentos em Logística (PIL), apresentam avanços?
Os programas de concessões rodoviárias foram idealizados em cima de rodovias troncais, visam aumentar a capacidade delas e até duplicar alguns desses trechos. Mas, para fazer essas concessões, praticamente, só recursos públicos estão sendo colocados: 70% são financiados pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), 15% pelo chamado fundo noiva e tem ainda isenção de impostos. Na verdade, o efeito que temos de investimentos privados, que seria a forma de alavancar recursos para a área de transportes, não está acontecendo. Além disso, com essas rodovias troncais, o governo dá mais condição de competição do setor rodoviário em determinados trechos e regiões em que poderia se fazer algo privilegiando as ferrovias. É o caso daqueles trechos da região Centro-Oeste (BRs 153 e 163, a rodovia que vai do Mato Grosso para o Pará). Várias delas são concorrentes do setor ferroviário existente. Poderia ter sido feito algo mais racional. Se o governo está subsidiando concessão rodoviária, por que não subsidiar concessão ferroviária? Seria mais lógico.
Qual a real necessidade de investimentos no setor?

Devíamos estar chegando a uns 5,6% do PIB (Produto Interno Bruto). Estamos trabalhando com 2,1%. Existe uma distância aí enorme em termos de investimentos em transportes. Eu imagino que a gente não vai alcançar isso de uma hora para outra. Mas, se conseguirmos resolver o problema das obras que ficam travadas, podemos aumentar os investimentos em transportes para 3% ou 4% do PIB.