sábado, 10 de outubro de 2015

Publicado: Segunda, 20 de Julho de 2015, 14h05 | Última atualização em Quinta, 23 de Julho de 2015, 13h31 | Acessos: 4055

Assunto do momento, os voos de aeronaves não tripuladas suscitam ainda muitas dúvidas. Mas já há normas para a atividade no Brasil. 
Daniel Marinho
 Era madrugada em Washington. Uma segunda-feira qualquer na cidade que hospeda os complexos governamentais e militares mais poderosos do mundo. A capital americana ainda dormia quando um objeto quadrangular acoplado a quatro hélices horizontais decolou de um apartamento numa área residencial da cidade.  Sem pilotos ou tripulação embarcados, o Quadricóptero DJI - Phantom, o “drone” sucesso de vendas do Natal anterior, que pode ser comprado em qualquer loja de departamento americana ou internet por cerca de 500 dólares, alçava mais um voo sobre o Distrito de Columbia.

Manuseado a distância a partir de um celular, o VANT (veículo aéreo não tripulado) fazia imagens dos arredores, quando o piloto perdeu o controle. Não havia muito o que fazer: o robô aéreo ganhou autonomia, definiu uma proa qualquer às cegas e sobrevoou por mais alguns instantes à deriva. Às 3h08 perdeu força. Caiu no quintal de um vizinho, morador de um casarão do século XVII no bairro adjacente. A Casa, porém, tinha nome: Branca. Seu morador também: Barack Obama.

Do outro lado do mundo, algum domingo anterior, a triatleta australiana Raiji Ogden iniciava mais uma prova da Endure Batavia Triathlon em Geraldton, na Austrália. Seria mais um dia de adrenalina e suor na vida de Raiji, mas ela não cruzou a linha de chegada.  Por volta das 9h da manhã, na etapa de corrida, o VANT despencou a cerca de dez metros de altura sobre a cabeça da atleta.Warren Abrams, fotógrafo local e proprietário da New Era Photography, disse que sua aeronave fora “hackeada”: ele não conseguia manter o controle. Seu trabalho para captar imagens ao vivo ao longo dos 10Km de extensão da prova acabou com a atleta hospitalizada.

Assunto do momento, as aeronaves não tripuladas ainda ensaiam os primeiros voos para sua consolidação no meio civil. De baixo custo, fácil acesso e simples manuseio, a demanda pelos pequenos Veículos Aéreos Não Tripulados vem aumentado a cada dia.  Organizações governamentais, empresas privadas, profissionais liberais, entidades de pesquisa, empresas de vigilância, entusiastas e grupos de interesses diversos já vislumbram projetos futuristas sob a égide de hexacópteros e octocópteros antes só imaginados na película da ficção científica.

Fotografias e filmagens em ambientes hostis, entregas de encomenda em residências, atividades agrícolas, mapeamento de imagens 3D, monitoramento meteorológico, missões de busca e defesa civil,  aero-robôs industriais, patrulha de fronteiras, distribuição de medicamentos e alimentos, combate a incêndios, inspeção de plataformas de petróleo, policiamento, roteamento aéreo de sinal de internet, são apenas alguns exemplos - ao menos das boas intenções de uso da tecnologia - que ainda vão compor os céus muito em breve.
Porém, muitas dúvidas ainda persistem. Até certo ponto, é compreensível, já que a tecnologia começou a ser popularizada recentemente e todos os países, sem exceção, ainda buscam compreender o fenômeno e as soluções mais eficazes para uma regulamentação da atividade. Mas, ao menos no Brasil, o voo tripulado não está desguarnecido de orientação oficial.

Drone, VANT e ARP
“Drone” é apenas um apelido em inglês, um termos genérico, sem amparo técnico. Em português, “drone” significa zangão, zumbido.
A terminologia oficial no Brasil é VANT - Veículo Aéreo Não Tripulado. É a tradução do acrônimo consagrado pelas organizações reguladoras do transporte aéreo internacional, o UAV (Unmanned Aerial Vehicle).
Segundo a legislação atual, caracteriza-se como VANT toda aeronave   projetada para operar sem piloto a bordo, possuindo carga útil embarcada, como uma câmera de filmagem, por exemplo.  Alguns “drones” utilizados como hobby, sem qualquer tipo de carga útil, enquadram-se na legislação referente aos aeromodelos e não a de um VANT.
Já entre os VANT, há dois tipos diferentes. O primeiro, mais conhecido, é a Aeronave Remotamente Pilotada - ARP (ou RPA - Remotely-Piloted Aircraft). Nessa condição, o piloto não está a bordo, mas controla aeronave remotamente de uma interface qualquer (computador, celular, controle remoto etc). A outra subcategoria de VANT é a chamada “Aeronave Autônoma”, cujo voo é programado por computadores e não possui piloto remoto. No Brasil, e em muitos outros países, Aeronaves Autônomas ainda são proibidas.
A ARP, enfim, é a terminologia correta quando nos referimos a aeronaves remotamente pilotadas de caráter não recreativo. Em outras palavras, ARP é o que queremos dizer, na grande maioria das vezes, quando nos referimos a drones. A designação de uma ARP independe de sua forma, tamanho ou peso.
Autorização em dois passos
Qualquer objeto que se desprenda do chão e seja capaz de se sustentar na atmosfera – com propósito diferente de diversão – estará sujeito às regras de acesso ao espaço aéreo brasileiro. Os “drones” precisam de autorização do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA) exatamente como as aeronaves tripuladas.
A regra geral para aeronave tripulada ou não é a mesma: é imprescindível a autorização para voar. A exceção, são os voos que tenham por fim lazer, esporte, hobby ou competição: nesse caso, seguem as normas para os aeromodelos. A Portaria DAC nº 207 estabelece as regras para a o aeromodelismo no Brasil: não são permitidos voos em áreas densamente povoadas, nem próximo a aeroportos ou áreas sensíveis a ruídos, como hospitais, escolas e templos. Também não devem voar a mais de 120 metros do solo.
Já para as Aeronave Remotamente Pilotada (ARP), de grau de complexidade maior, o DECEA emitiu a Circular de Informações Aeronáuticas nº 21, de 2010, especialmente dedicada ao tema. Há ainda o Código Brasileiro de Aeronáutica, os RBHA (Regulamento Brasileiro de Homologação Aeronáutica) e os RBAC (Regulamento Brasileiro de Aviação Civil).
Antes de voar, porém, é preciso autorização da ANAC e do DECEA.
ANAC
Para operar uma Aeronave Remotamente Pilotada (ARP) primeiramente é necessário a certificação/autorização da ANAC. A Agência divide os usos de ARP em duas modalidades: experimental ou com fins lucrativos.
Para a operação experimental de um ARP, um Certificado de Autorização de Voo Experimental (CAVE) deve ser solicitado à ANAC. O CAVE é emitido para um número de série específico de uma ARP, portanto não é possível obtê-lo sem a apresentação da aeronave. O certificado permite apenas para voos não comerciais, ou seja, sem fins lucrativos.

Já para operar uma ARP com fins lucrativos, um requerimento devidamente embasado deve ser encaminhado à ANAC, destacando as características da operação pretendida e do projeto da ARP. Deve ser assegurado que o nível de segurança seja compatível com os riscos associados à operação. O documento será analisado, caso a caso, pela área técnica da ANAC e apreciado pela Diretoria Colegiada, responsável pela autorização.
Vale lembrar que nenhuma operação de Aeronave Remotamente Pilotada civil poderá ser realizada no Brasil sem a devida autorização da ANAC, seja ela em caráter experimental, com fins lucrativos ou que tenha qualquer outro fim que não seja unicamente o de lazer ou esporte.
Seja com um complexo sistema de dados, como o utilizado pela Força Aérea ou apenas um controle remoto com antena, toda ARP é controlada do solo e deve seguir as normas do controle de espaço aéreo.
DECEA
Com autorização da ANAC, deve-se contactar o DECEA.  A solicitação de autorização de voo deve levar em conta a localidade em que se pretende voar, já que o espaço aéreo brasileiro é dividido em sub-regiões aéreas de responsabilidades de diferentes órgãos operacionais, subordinados ao DECEA.
Esses órgãos são os quatro Centros Integrados de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (os chamados CINDACTA), que atuam diretamente no controle dessas regiões (as chamadas FIR - Flight Information Region - Região de Informação de Voo) que preenchem a totalidade do espaço aéreo do País. Há ainda outro órgão, que recebe as solicitações de voos na área que compreende as terminais aéreas do Rio de Janeiro e São Paulo: o Serviço Regional de Proteção ao Voo de São Paulo (SRPV-SP).
A solicitação deverá ser encaminhada ao respectivo órgão regional, conforme a região a ser voada. A solicitação de voo deve ser encaminhada ao órgão regional, via fax, por meio do envio de formulário próprio preenchido.
O voo ainda poderá ser indeferido caso o DECEA detecte algum risco para a segurança ou possibilidade de interferência em procedimentos pré-existentes, como rotas de aeronaves comerciais ou militares.
Nova legislação
O DECEA, em parceria com outros órgãos brasileiros e estrangeiros, deverá publicar novos regulamentos ainda em 2015. O objetivo é permitir o voo das aeronaves, mas sempre de forma segura e controlada.  O tema encontra-se em análise pelo DECEA, pela ANAC, pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) e pela Organização de Aviação Civil Internacional (OACI), agência vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU) que estabelece princípios de navegação aérea internacional.
Para o chefe da Seção de Planejamento de Operações Militares do DECEA, Tenente-Coronel Jorge Humberto Vargas Rainho, o Departamento, em consonância com outros órgãos responsáveis, vem trabalhando a fim de viabilizar continuamente a inserção dos VANT no espaço aéreo do País com segurança, do mesmo modo que o faz com as aeronaves tripuladas. “O novo documento deverá contemplar mais aspectos associados à operação desses equipamentos que se fazem necessários”, afirma.
No âmbito da ANAC, uma nova legislação referente à operação de ARP com fins lucrativos está em pauta. Será precedida de audiência pública, ocasião em que os interessados poderão ler a minuta e submeter comentários à ANAC para aprimoramento da proposta, se assim desejarem.
Fonte: AEROVISÃO – A revista da Força Aérea Brasileira - Nº 234