quarta-feira, 30 de julho de 2014

Comendo grama, irmãs refugiadas sul-sudanesas encontram segurança na Etiópia em campo da ONU
30 de julho de 2014 · Notícias - ONU

As irmãs, de amarelo e vermelho, estão aos cuidados de uma família da mesma cidade. Foto: ACNUR/K.Gebreegziabher
Nyawech Chuol, de 12 anos, não conseguia parar de soluçar ao contar a história da noite em que a guerra civil do Sudão do Sul chegou à sua casa. Ela e a irmã de oito anos, Nyalouk, traumatizada e em silêncio, perderam sua família após um tiroteio. Agora, estão completamente sozinhas em uma terra estrangeira.
Nyawech conta que elas dormiam quando, há algumas semanas, o conflito que varreu o Sudão do Sul nos últimos sete meses atingiu sua aldeia, Matiang, no estado do Alto Nilo.
“Estava muito escuro no meio da noite e estávamos todos dormindo quando ouvimos muitos tiros​​”, diz ela por meio de um intérprete em um lotado centro de recepção no ponto de fronteira conhecido como Pagak, em território etíope.
“Eu só me lembro de colocar o meu vestido, agarrar minha irmã mais nova pela mão e correr para fora da casa, na escuridão”. Sua família correu em direções diferentes, e ela não viu nenhum parente desde então.
“Quando a luz do dia veio e eu vi apenas Nyalouk, percebi que meu pai, minha mãe e minhas duas irmãs mais velhas não estavam comigo e eu chorei muito”, diz ela, enquanto lágrimas caem novamente.
Mesmo tendo apenas 12 anos, Nyawech pegou sua irmã mais nova pela mão – e elas seguiram sozinhas até à Etiópia. Ela não tem certeza de quanto tempo caminharam para chegar até aqui, mas outras pessoas da mesma aldeia andaram semanas para encontrar segurança em solo etíope.
O que ela sabe é que elas chegaram com muita fome e extremamente desidratadas. Tudo o que tinham para comer ao longo do caminho era grama e folhas. Tudo o que eles bebiam era água suja de lagoas que encontravam pela estrada.
As duas meninas estão entre as crianças desacompanhadas que cada vez mais cruzam a fronteira do Sudão do Sul e chegam todos os dias à região de Gambella, no oeste da Etiópia. Algumas têm a sorte de encontrar seus pais e parentes quando chegam a algum dos três campos de refugiados próximos. Mas há no momento mais de 1.500 menores desacompanhados e outras 5.540 crianças separadas de suas famílias que vivem em acampamentos, cuidadas por outros refugiados.
Os 177 mil refugiados do Sudão do Sul nos campos (gerenciados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados - ACNUR – e pelo governo etíope) são predominantemente mulheres e crianças. E os campos alcançaram rapidamente sua capacidade total.
“O Governo da Etiópia nos deu um local adicional que estamos desenvolvendo”, diz Oscar Mundia, coordenador da operação de emergência do ACNUR em Gambella. “Mas, com mais de 12 mil refugiados em dois centros de acolhimento à espera de realocação e 883 novos refugiados chegando todos os dias, o novo local já pode ser considerado cheio antes mesmo de ser aberto”, completa Mundia.
“O ACNUR está especialmente preocupado com as crianças sozinhas, diz o funcionário do ACNUR. “Estamos trabalhando bem de perto com os nossos parceiros para identificar e registrar corretamente menores já na fronteira”, diz ele. Outras prioridades são traçar suas famílias e levar as crianças a locais de cuidado adequado.
Nyawech e Nyalouk tiveram sorte. Logo depois que cruzaram a fronteira, a mãe de quatro filhos, Nyanyik Thot, tomou-as sob suas asas. A nova “mãe adotiva” era da mesma aldeia, mas ainda não conhecia as meninas nem os seus pais.
“Decidi imediatamente cuidar das meninas porque pensei que meus filhos poderiam ter tido o mesmo destino”, diz ela, com simplicidade. A nova família está morando temporariamente em um enorme hangar comum, superlotado, com cerca de 100 outras pessoas. Ao todo, cerca de cinco mil estão vivendo nos hangares em Pagak, esperando para passar para os campos.
“Estamos muito agradecidos por Nyanyik ter se voluntariado para cuidar das duas irmãs, apesar de ter seus próprios filhos pequenos que também precisam de muita atenção”, diz Valerie Laforce, oficial de campo do ACNUR em Pagak.
Entre soluços, os pensamentos de Nyawech voltam para sua antiga vida e os jogos que costumava brincar. “Eu gostaria de voltar para casa”, diz ela em voz baixa. “Gostaria de encontrar a minha família, brincar de amarelinha e pular corda com os meus amigos”.