quinta-feira, 23 de janeiro de 2014


Ponto Final - Um país fora dos trilhos

23/01/14 10:45 | Octávio Costa (ocosta@brasileconomico.com.br)

 

Ontem foi dia de revolta para os cariocas que são condenados a usar trens como meio de transporte

Às 5 horas da manhã, uma composição da SuperVia (nome absolutamente incompatível com o serviço prestado) que seguia da Central do Brasil para Duque de Caxias descarrilou perto de São Cristóvão e atingiu a rede aérea. Parte da estrutura que sustenta a fiação caiu, prejudicando a circulação nos principais ramais. Milhares de usuários ficaram a pé na Zonas Norte e Oeste e na Baixada Fluminense. Foi um caos. Nem mesmo a restituição das passagens funcionou como deveria. O secretário estadual de Transportes, Júlio Lopes, foi ao local, mas se mostrou conformado, chegou a sorrir e atribuiu o acidente "às décadas de abandono" do sistema ferroviário.

Não é a primeira vez que uma autoridade joga a responsabilidade no passado e lamenta o estado precário das ferrovias no país. Mas nada muda no setor. As décadas perdidas se somam diante da passividade bovina do setor público. O Brasil abriu mão do transporte ferroviário nos anos 60 do século 20, quando apostou todas as fichas no modo rodoviário. Dizem que os generais, durante a ditadura militar, enterraram de vez a opção ferroviária por motivo de segurança. Eles temiam uma invasão argentina e chegaram a mudar a bitola de nossas vias. Pode ser folclore, mas o certo é que nossa malha de estradas de ferro é ridícula. E nos poucos centros urbanos servidos por trens, o cenário é desolador.

Se alguém tem dúvida, basta ler o comentário do professor da Uerj, Alexandre Rojas, sobre as causas do acidente de ontem. "A concessionária tem dois problemas: seu trilho ainda é assentado em dormente de madeira, material que racha e envelhece, e seus trens são antigos e não têm a manutenção ideal. O trem que descarrilou hoje tem 30 anos de uso. Os dormentes estão sendo trocados por novos de concreto no trecho da Central até São Cristóvão, para atender ao Maracanã durante a Copa do Mundo. O trecho que apresentou problema fica próximo ao local em obras, onde estão sendo utilizadas bate-estacas. Um dormente que já não é de boa qualidade sob a pressão provocada pelo uso desses equipamentos perto dali favorece o desalinhamento dos trilhos", explicou Rojas.

Vale a pena repetir: a SuperVia submete os ilustres passageiros a anacrônicos dormentes de madeira e composições com mais de 30 anos. Diz Julio Lopes que, dentro de dois anos, as antigas unidades serão substituídas por trens confortáveis. É difícil acreditar no secretário de Transportes. Quem viaja, por exemplo, para a Europa sabe da importância que se dá no resto do mundo ao transporte ferroviário. Das grandes estações, como Gare du Nord, em Paris, Termini, em Roma, e Victoria, em Londres, é possível partir para todos os pontos do Velho Continente, com conforto e pontualidade. Estudantes e turistas usam e abusam do Europass.

Em Moscou, os terminais levam os nomes dos destinos e Lênin tornou famosa a Estação Finlândia, na qual desembarcou para comandar a revolução bolchevique em 1917. Em Lisboa, um dos programas obrigatórios é pegar um trem no Rossio e visitar o Palácio da Pena, em Sintra, linda cidade que lembra muito Petrópolis (por sinal, ao tempo de D. Pedro II, era servida por trem).

Um samba ufanista da Mangueira dizia que o Brasil tem rios, cachoeiras e cascatas, frutos, pássaros e matas. É fato. Mas não tem trens.