quarta-feira, 21 de janeiro de 2015


'Apaguinho' é a conta da falta de planejamento energético

Segundo o governo, corte foi provocado por falha na transmissão,mas especialistas afirmam que efeitos não seriam tão grandes se os reservatórios do país não estivessem tão baixos

Nicola Pamplonanicola.pamplona@brasileconomico.com.br

Rio - No dia em que a demanda instantânea de eletricidade bateu recorde nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, a reserva de energia para absorver eventuais picos de consumo no subsistema Sudeste Centro-Oeste era de apenas 25% do recomendado pelo próprio Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Para especialistas, a pouca margem de manobra está entre as causas do corte seletivo de cargas que atingiu 10 estados e o Distrito Federal e é fruto de erros no planejamento do setor elétrico nos últimos anos.

A chamada reserva girante é a capacidade adicional de geração que o operador precisa ter disponível em tempo real para absorver eventuais flutuações de demanda. Segundo especialistas, o ideal é que se situe em torno de 5% da demanda esperada para determinado dia. Na segunda-feira, quando houve o corte no fornecimento, a reserva recomendada para as regiões Sudeste e Centro-Oeste, segundo o Boletim Diário da Operação do ONS, era de 1.529 megawatts (MW). No entanto, a reserva girante verificada foi de 369 MW.

O valor representa apenas 14,4% da reserva girante verificada um ano antes, de 2.565 MW. Tamanha diferença é resultado da queda nos níveis dos reservatórios das hidrelétricas, que perdem produtividade com a redução do volume de água. Na segunda-feira, o nível dos reservatórios do Sudeste e do Centro-Oeste estava em 17,9%, um dos piores da história. No mesmo dia, a demanda instantânea nas mesmas regiões atingiu recorde histórico, de 51.596 MW. O recorde foi estabelecido às 14h32, cerca de 20 minutos antes da determinação às distribuidoras para cortar o fornecimento.

O governo diz que a decisão pelo corte foi tomada após falha no sistema de transmissão, mas especialistas afirmam que os efeitos não seriam tão grandes se os reservatórios não estivessem tão baixos. “Estávamos dependentes de importação de energia do Norte na hora do pico. Se os reservatórios estivessem cheios, não iríamos nem saber de falha na transmissão”, diz Roberto D’Araújo, diretor do Instituto Ilumina. Na hora do pico de consumo, segundo informações do ONS, quase 30% da energia consumida em Sudeste e Centro-Oeste era importada de outras regiões.

D’Araújo e a consultoria PSR concordam que o nível atual dos reservatórios não reflete apenas a falta de chuvas, mas foi agravado por políticas operativas equivocadas para o setor elétrico. “O governo tenta dizer que o problema é conjuntural, mas o sistema deveria estar preparado para enfrentar essa conjuntura”, diz o diretor do Ilumina. A avaliação é que houve demora no acionamento das térmicas em 2012, quando já havia sinais de perda de capacidade dos reservatórios, como reflexo de uma política para conter inflação.

No fim daquele ano, após a edição da MP 579, que reduziria em 20% o preço da energia, o uso de térmicas disparou, passando de 10% para mais de 20% da geração de energia no país em um período de seis meses. Para os especialistas, um sinal de que a situação hídrica havia sido subdimensionada antes da edição da medida provisória.

O problema, no momento, está localizado nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, uma vez que há sobra de capacidade no Norte, mas restrições no sistema de transmissão para atender à demanda de pico. Para a PSR, o governo deveria adotar medidas de racionalização do consumo, convocando a população a economizar, para evitar a possibilidade de um racionamento de energia no segundo semestre, caso as chuvas não caiam até o final do período chuvoso, que termina em abril.

Até o dia 19 de janeiro, segundo o ONS, choveu apenas 43% da média histórica nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. Pouca chuva e muito calor são responsáveis por uma queda acumulada de 1,5% no nível dos reservatórios no mês. Além de torcer para chover, o governo anunciou ontem um adicional de quase 1,5 mil MW em capacidade de geração no Sudeste e no Centro-Oeste — 867 MW de térmicas da Petrobras paradas para manutenção e outro lote de 300 MW de Itaipu.