quarta-feira, 21 de janeiro de 2015


Copom amplia viés recessivo

Primeiro, porque ele precisa dar a impressão, para salvar a sua reputação, de que está “especialmente vigilante” e de que fará tudo ‘o que for necessário’ no combate à inflação. Qual inflação? A de 2016

Luiz Sérgio Guimarães luiz.sergio@brasileconomico.com.br

Hoje é apenas o 14° dia útil de 2015, mas, para o Banco Central, o ano já acabou: o IPCA vai estourar o teto de 6,5% da meta de inflação e ele nada pode fazer para evitar isso. Sim, os oito membros do Comitê de Política Monetária (Copom) irão hoje à tarde elevar a Selic de 11,75% para 12,25%, conforme já está previamente decidido e comunicado ao mercado financeiro. Depois, em março, encerrarão o atual ciclo de alta do juro básico com uma elevação de 0,25 ponto. Ponto final: a Selic será congelada em 12,50% e seja o que Deus quiser. Já neste início de ano, o IPCA galgará o novo patamar de 7% no acumulado de 12 meses. Irá oscilar em torno disso ao longo de 2015, e fecha acima de 7%. Então porque subir a Selic agora se não vai adiantar nada?

Primeiro, porque ele precisa dar a impressão, para salvar a sua reputação, de que está “especialmente vigilante” e de que fará tudo “o que for necessário” no combate à inflação. Qual inflação? A de 2016. Segundo, porque deve agir coordenadamente no mesmo sentido primário do ajustamento ortodoxo da economia, o de poupar o capital financeiro. As sucessivas medidas fiscais até agora anunciadas pelo Ministério da Fazenda aspiram dinheiro apenas dos setores produtivos e dos trabalhadores. São cerca de R$ 43 bilhões carreados da economia real para os cofres públicos.

Do setor financeiro, nada. A razão é que nada deve ser feito para irritar a porção vanguardista do mercado, frequentemente disposta a chiliques, composta pelas grandes agências internacionais de rating. De preferência, elas devem ser bajuladas e minadas com uma política econômica ultraconservadora, escorada no aumento de impostos, no corte de gasto público e no aperto monetário (cujo sucedâneo também é bem-vindo aos financistas, a apreciação cambial). A estabilização da dívida como percentual do PIB será feita para evitar o “downgrade”, impondo a destruição da economia real ao mesmo tempo em que amplia os lucros financeiros.

Enquanto isso, no mercado monetário os analistas dedicam-se ao seu esporte predileto: a discussão de platitudes fúteis. Toda a urgência do mundo está concentrada em saber se, hoje, ao cabo de sua primeira reunião do ano, o Copom irá manifestar-se “especialmente vigilante” ou “parcimonioso” em sua santa missão de fazer “o que for necessário” para trazer o IPCA à meta de 4,5% da inflação em algum momento do final de 2016. A rigor, tanto faz o que for escrito no comunicado que será distribuído nesta noite. O mundo e o Brasil mudaram desde a última reunião do Copom, em 3 de dezembro, e para pior, mas nem por isso a sinalização já dada e precificada será alterada. No Focus, a estimativa de taxa Selic para o fim do ano sustenta-se em 12,50% há seis semanas. A virtude da “restauração da credibilidade” tem, para o BC, o mesmo caráter fugaz do dispensado à Fazenda. Garante esparsos encômios embevecidos em relatórios de instituições, mas não altera em nada a realidade das ruas e das fábricas.

O mundo mudou, mas nada garante que o comunicado pós-Copom merecerá uma nova redação, sobretudo na frase “considerando os efeitos cumulativos e defasados da política monetária, entre outros fatores, o Comitê avalia que o esforço adicional de política monetária tende a ser implementado com parcimônia”. Se ele vai, em março, desacelerar a velocidade de avanço da Selic de 0,50 ponto para 0,25 ponto, a frase continua válida. Mas nem os “efeitos cumulativos e defasados”, nem os “outros fatores” (o rigor fiscal e uma onda de apreciação cambial decorrente de movimentos especulativos desfechados a partir do anúncio do afrouxamento quantitativo do Banco Central Europeu) irão garantir IPCA abaixo de 6,5% este ano.

O ajustamento das contas públicas tem um pesado viés recessivo, cujo alvo principal é uma demanda já moribunda. Sua principal âncora, até agora, é a retirada de recursos da sociedade para o governo. Os trabalhadores nada podem fazer a respeito. Os empresários podem tentar repassar o aumento de custos induzido pelo viés para os preços dos seus produtos. Irão tentar fazer isso mesmo produzindo menos. A economia encolhe com preços lá em cima. A Petrobras já deu o exemplo: o aumento da Cide será repassado ao consumidor. Será seguido pelos empresários. O governo está mexendo hoje com dois preços — combustíveis e energia elétrica — que se espraiam na cadeia de valor gerando inflação. “A alta da Cide vai toda para o IPCA. Com a já esperada alta no preço da energia elétrica, combustíveis adicionam mais pressão ainda sobre a inflação deste ano”, diz o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves.

A dívida bruta será estabilizada em relação ao PIB — ou seja, o governo vai mostrar que tem dinheiro para pagar suas dívidas, o que afasta o temor do “downgrade” — pelo seguinte preço: 2015 será pior do que 2014. O IPCA subirá de 6,41% para algo acima de 7% e o crescimento do PIB passará do 0,1% previsto pelo mercado para 0,3% (estimativa de ontem do FMI, que não leva em conta a possibilidade de racionamento de energia). E cairá o último baluarte da era Dilma: o pleno emprego. Tudo para que, restaurada a previsibilidade fiscal, os empresários voltem a ter confiança no governo e retomem os investimentos. Como isso poderá ser feito se a demanda estará no chão e a inflação em cima do telhado? É melhor aplicar o dinheiro em títulos públicos. Até que venha o paradisíaco ano de 2016.

Como não poderia deixar de ser, os mercados de câmbio e juros futuros adoraram o branco cegante da carta exigida na noite de segunda-feira pelo ministro Joaquim Levy ao anunciar quatro medidas fiscais. Como o mercado externo sancionava (crescimento chinês menos ruim e expectativa em torno do pacotão do BCE amanhã) uma desvalorização do dólar, os investidores se esqueceram do apagão da véspera e trataram de vender a moeda comprada no escuro e mais um pouco. O dólar fechou em queda de 1,54%, cotado a R$ 2,6150. Os DIs futuros também aplaudiram de pé. Até a taxa para a virada do ano caiu, de 12,69% para 12,64%. O juro para janeiro de 2021 voltou a patamar inferior a 12%, ao ceder de 12,05% para 11,80