quinta-feira, 22 de janeiro de 2015


Uma crise anunciada

Desde que o Brasil é Brasil, todos os governos privilegiam os interesses das empreiteiras, em detrimento do benefício do povo. Por que não fazer hidrelétricas menores?

Nadja Sampaionadja.sampaio@brasileconomico.com.br

No ano em que o Rio de Janeiro completa 450 anos, estamos chegando a uma situação que nos lembra a marchinha de Carnaval do ano de 1955, de Miguel Gustavo, que diz “Rio de Janeiro, cidade que me seduz, de dia falta água, de noite falta luz”. Uma vergonha estarmos à beira de racionamento de água e energia, sessenta anos depois do sucesso carnavalesco, que refletia as mazelas, da época, na cidade maravilhosa. Mas hoje parece que está tudo normal, todo mundo está gastando água e energia normalmente. Do jeito que está, no próximo mês já podemos reeditar a marchinha de Carnaval como hit do verão carioca.

A Nova Cedae, que de nova não tem nada, deveria se envergonhar de colocar no ar uma campanha para as pessoas economizarem água, se ela mesma não dá bom exemplo. Na minha rua, em Laranjeiras, um vazamento de água limpa ficou mais de 15 dias borbulhando na calçada e se esvaindo na boca de lobo. Várias pessoas pediram o conserto à concessionária, mas só ontem foram trocar o cano furado. Outro vazamento no Cosme Velho também já está jorrando água há mais de uma semana. O desperdício de água limpa no Rio de Janeiro está na faixa dos 25%. E, com este calorão, junta-se a ineficiência da concessionária ao aumento de consumo em piscinas, chuveirões, gente que lava carro e calçada e molha plantas com mangueira. E o povo da zona Sul não se iluda, na zona Oeste e na zona Norte já começou a faltar água, o racionamento vai atravessar o túnel.

Mas, Justiça seja feita, a situação limite de racionamento de água e energia não é uma ameaça apenas para o Rio. A atual crise energética brasileira tem nome e sobrenome: Dilma Rousseff. Ela está à frente desse setor, no mais alto escalão do governo, há pelo menos dez anos. Portanto, os atrasos nas construções das grandes usinas, a opção por construir grandes hidrelétricas ao invés de pequenas interligadas, a falta de investimos em energias alternativas, como a opção de investir em energia solar para áreas residenciais, comerciais e condomínios, pouco investimento em energia eólica e a falta de interligação do parque eólico com o sistema nacional, entre outras falhas de gestão, podem ser, todas, colocadas na conta da presidenta. Todo mundo sabe disso. Esta era uma crise anunciada há tempos e os especialistas do setor devem estar falando hoje: não te disse?

Não satisfeita com os sinais de que uma crise séria estava a caminho, a presidenta resolveu estimular o consumo, primeiro reduzindo as tarifas em cerca de 20% com a MP 579, em 2012. E depois, em 2013, instituiu o cartão Minha Casa Melhor, que dava R$ 5 mil de crédito para a compra de 14 tipos de móveis e eletrodomésticos, desde que os equipamentos tivessem o selo A do Procel, de eficiência energética. Bem, aí todo mundo foi às compras. Menos geração de energia, aquecimento global, menos chuva, mais incentivo ao uso deste recurso, que já está pequeno, é uma conta que não para em pé, vamos combinar!

A presidenta só se esqueceu de combinar com os russos, ou melhor, com São Pedro. A chuva não caiu onde deveria chover, as hidrelétricas já construídas estão vazias, a situação só piora, e a seca deste janeiro mostra que não vai melhorar tão cedo. E a conta, como sempre, vai para o consumidor. A história das bandas tarifárias, verde, amarela e vermelha, que aumenta a conta até 30%, a partir dos 100 kHh, já é um aumento incorporado, pois, obviamente, não teremos bandeira verde tão cedo. E ainda vem aí uma facada de reajuste pelo uso, que triplicou no ano passado, das termelétricas.

Tem uma outra angústia que penso, todos nós brasileiros carregamos. Desde que o Brasil é Brasil, todos os governos privilegiam os interesses das empreiteiras, em detrimento do benefício do povo. Grande parte desta crise está ligada aos atrasos de importantes projetos de geração de energia, como as usinas de Santo Antônio e Jirau, em Rondônia, e Belo Monte, no Pará. A desculpa do governo, em parte, é que os atrasos se derivam de entraves jurídicos e ambientais. Ora, o impacto de uma grande construção para o povo que vive nesta área é enorme. Hoje os moradores ribeirinhos já reclamam da diminuição de peixes. É preciso sim vigiar o que as construtoras estão derrubando. Por que não fazer hidrelétricas menores? Penso, que, provavelmente, o lucro, e as maracutaias, são mais fáceis nas maiores.

O governo já fez outras opções erradas, sempre levando em conta o interesse de empreiteiras. Um amigo que está rodando pelo Brasil, comentou no Facebook: “Acabei de rodar 2.500 km pelas BRs 381, 262 e 101, todas velhas, pista simples, sem até mesmo uma terceira faixa nas subidas. O mesmo governo que não consegue cuidar das estradas, libera o tráfego para bi-trens, que chegam a transportar mais de 60 toneladas de carga. Nas subidas vão a 30 km/h e, para piorar, viajam em comboio, por causa de assaltos. Os motoristas, irritados, acabam fazendo ultrapassagens arriscadas. Quando acontece um acidente a culpa é só dos motoristas. E os governantes, que resolveram isso tudo, viajam de avião e helicóptero”. O modelo de transporte rodoviário no Brasil é um dos mais perversos. Custa caro construir, a manutenção de estradas e veículos é maior, e causa muito mais acidentes. Mas o governo nem pensa em adotar uma malha ferroviária para cargas pesadas.

A minha esperança é que de toda a crise surge uma oportunidade. Quem sabe, agora, a presidenta aproveite para fazer opções que melhorem a vida do povo e não aumentem o custo para o consumidor. É só uma questão de mudar o foco e optar por cuidar dos interesses do cidadão.