quarta-feira, 25 de abril de 2012

Observador brasileiro é escalado para ficar em foco de conflito na Síria
MARCELO NINIO
DE JERUSALÉM
"Neste momento estou ouvindo tiros e estamos saindo para verificar". Assim o brasileiro Alexandre Feitosa, um dos onze observadores da ONU na Síria, abriu a conversa com a Folha na noite desta terça-feira.
Ele falava de Hama, cidade no centro-oeste do país, onde chegou para estabelecer um posto permanente da ONU depois que os observadores receberam relatos de violência das forças do regime contra a oposição.
Capitão de mar e guerra da Marinha do Brasil, Feitosa, 46, é membro do Departamento de Operações de Paz da ONU. Ele chegou a Damasco no dia 15, junto com quatro observadores da missão avançada da ONU.
Sua missão é inspecionar o cumprimento do cessar-fogo previsto no plano de seis pontos intermediado pelo enviado especial da ONU e da Liga Árabe, Kofi Annan.
Mas a presença dos observadores da ONU na Síria, que completou 10 dias na terça-feira, não apenas foi incapaz de conter a violoência do regime, mas em alguns casos agravou a repressão aos opositores.
COLAPSO
Os tiros que Feitosa ouvia em Hama eram apenas um dos sinais de colapso do cessar-fogo aceito destinado a calar as armas, depois de 13 meses de revolta contra o regime. Nesse período, a ONU estima que mais de 9 mil pessoas foram mortas pelas forças sírias, a grande maioria civis.
Nesta terça, a organização afirmou que "relatos confiáveis" indicam que manifestantes que entraram em contato com os monitores foram intimidados e, em alguns casos, mortos pelas forças de segurança.
Ativistas da oposição afirmam que os locais patrulhados pelos observadores foram bombardeadas pesadamente logo depois da visita, numa aparente retaliação às denúncias de crimes do regime feitas pelos moradores.
Numa mensagem ao enviado da ONU e da Liga Árabe à Síria, ativistas de Douma, um subúrbio de Damasco, disseram que 30 tanques abriram uma ofensiva logo após a visita dos observadores, nesta terça-feira.
"A visita dos monitores da ONU, sob sua direção, nos matou hoje", diz a mensagem assinada pelo Comitê de Coordenação Local de Douma, que integra uma rede de ativistas espalhada pelo país.
'VIOLÊNCIA INACEITÁVEL'
O enviado da ONU à Síria, Kofi Annan, que intermediou o precário cessar-fogo em vigor há duas semanas, disse que a violência após as patrulhas na ONU é "inaceitável" e voltou a exortar o regime sírio a cumprir o acordo.
Annan tem consciência de que "as armas se calam" quando os monitores estão presentes, mas "os tiroteios recomeçam quando eles saem", segundo seu porta-voz, Ahmed Fawzi.
Segundo ativistas, quase cem pessoas foram mortas nos últimos dois dias. Os relatos de violência levaram os observadores da ONU de volta à cidade ontem, com o plano de estabelecer um posto permanente.
Por enquanto a missão da ONU na Síria conta apenas com um grupo avançado de 11 monitores, o que torna impossível cobrir todos os pontos de conflito.
A previsão da ONU é que mais observadores cheguem até o fim do mês, para compor uma missão que terá, no total, 300 integrantes.
CONSPIRAÇÃO
Além de pedir a ampliação urgente da missão, os ativistas culpam os observadores que estão no país de se submeter às restrições impostas pelo regime sírio.
"Os observadores estão conspirando contra nós", disse o ativista Mohamed Saeed de Douma à agência AP. "Ontem [segunda] eles se negaram a ir conosco para ver onde os tanques estão escondidos".
Embora tenha aceito o plano de Annan, que prevê a retirada do Exército dos centros urbanos, o porta-voz da ONU disse que imagens de satélite mostram que isso não foi feito.
Segundo ativistas, a onda de ataques deixou quase cem mortos nos últimos dois dias, a maioria nos locais visitados pela ONU: Douma e Hama.
Segundo o ativista Mousab Alhamadee, de Hama, um dia depois da patrulha da ONU, agentes sírios passaram de carro atirando por dois bairros da cidade, e mataram ao menos 40 pessoas.
A violência levou a ONU a fixar dois observadores permanentes na cidade, um belga e o comandante brasileiro. Feitosa disse que os moradores de Hama pediram a eles: "Por favor, fiquem aqui, não vão embora", contou.
Feitosa é cuidadoso na avaliação da crise na Síria, evitando emitir julgamentos sobre o cumprimento do cessar-fogo.
TRABALHO
Ele admite que o pequeno número de observadores impede uma visão ampla da situação, e afirma que a ampliação da missão facilitará o trabalho, pois permitirá estabelecer postos permanentes nos principais pontos de conflito.
"A gente faz o que pode, nossa presença de certa forma inibe a violência. Quando tivermos mais observadores nossa presença será mais efetiva", diz Feitosa.
Apesar das críticas dos ativistas, o militar brasileiro disse que os observadores tem mantido contato com a oposição: "Eles tem nossos telefones".
Nascido no Mato Grosso do Sul por acaso (o pai também era capitão de mar e guerra da Marinha), Feitosa cresceu no Rio de Janeiro e nesta terça-feira se instalava num dos focos do conflito sem prazo para sair.
"Uma vez que estabeleçamos a posição em Hama, a ONU não vai mais sair. Quando tiver mais observadores, eles nos substituirão e aí prosseguiremos para outros locais, como Idlib e Aleppo", explicou Feitosa.
O militar interrompeu a conversa e saiu para verificar de onde vinham os tiros. Hama tem um histórico sangrento de oposição ao regime Assad. Em 1982, Hafez al Assad, pai de Bashar, o atual ditador, esmagou uma revolta islamita na cidade, deixando entre 20 e 30 mil mortos.