quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O novo “efeito Orloff”
22/08/12 07:35 | Rodrigo Sias - Economista do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Na década de 80, havia um comercial de TV interessante no qual um homem enfrentava uma ressaca, pois não bebera a vodca Orloff. Paralelamente o mesmo indivíduo aparecia na tela sem problemas após ter bebido a citada vodca.
"Eu sou você amanhã", dizia a linha final do comercial. A mensagem fez surgir o que se convencionou a chamar de "Efeito Orloff" em alusão aos diversos planos econômicos que eram postos em prática na Argentina e depois eram copiados no Brasil naquela década.
Olhando a história dos dois países desde os anos 1940, vemos, no entanto, que a trajetória mimética não se reduziu aos planos econômicos.
Ambos os países tiveram suas ditaduras personalistas - Peron e Vargas - conviveram com um populismo com viés comunista logo interrompido por regimes militares e passaram a sofrer da "paranoia terceiro-mundista".
Nos 1980, os dois vizinhos tiveram sua "década perdida" e editaram os principais planos gêmeos - o "Austral" argentino e o "Cruzado" brasileiro para combater as respectivas hiperinflações, mas foram igualmente fracassados.
Já na década de 1990, iniciaram sua onda de privatizações e finalmente estabilizaram suas economias utilizando âncoras cambiais. Se as histórias são parecidas, a diferença é que na Argentina, tudo é mais radical.
Enquanto no Brasil a euforia com o Plano Real seguiu-se de uma maxidesvalorização cambial que trouxe recessão, na Argentina, o fim da conversibilidade do Plano Cavallo produziu uma gravíssima depressão.
Se o regime militar brasileiro construiu nossa infraestrutura e sofisticou a economia apesar da "crise da dívida", os militares argentinos escolheram embarcar em uma aventura militar que lançou o país no caos. Enquanto o Brasil vivia os "anos dourados" de JK, a Argentina gravitava em torno do peronismo.
Enquanto Getúlio lançou as bases para a industrialização ao mesmo tempo em que criou leis trabalhistas engessadas, Perón foi muito além criando um gigantesco movimento de massas que domina e paralisa a história argentina. 
Recentemente, os dois países passavam por um bom momento econômico graças ao boom de commodities. No entanto, a crise iniciada em 2008 abalou os alicerces dessa relativa prosperidade.
Na Argentina, o kirchnerismo reedita o peronismo, com altíssimos graus de intervenção estatal, antiamericanismo, reversão de privatizações - com a estatização dos fundos de pensão e da petrolífera YPF -, o controle do sistema bancário, a perseguição aos militares, a acentuada sindicalização e greves e, por fim, uma alta inflação.
No Brasil, os movimentos de intervenção estatal na economia são cada vez mais fortes. Os exemplos mais claros são relativos ao pré-sal, à ofensiva de juros contra os bancos e a troca de comando da mineradora Vale. As greves por todo o país mostram a manipulação política dos sindicatos.
Se nas décadas passadas o mimetismo era "espontâneo", hoje as decisões dos atuais governos são tomadas em conjunto, sempre em sintonia fina.
As discordâncias alardeadas não passam de pequenos embates táticos, mas nunca um desacordo verdadeiro em relação à estratégia comum acordada nos fóruns diplomáticos sul-americanos como a Unasul ou o Mercosul, que ecoam as resoluções emitidas pelo Foro de São Paulo.
Esse é um novo "efeito Orloff", que não tem nada de espontâneo.
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Rodrigo Sias é economista do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)