domingo, 8 de junho de 2014


Brasil perde espaço em comércio com África

Foco da política comercial brasileira no governo Lula, vendas para continente africano caem desde 2011. Déficit superou US$ 6 bi em 2013

Nicola Pamplonanicola.pamplona@brasileconomico.com.br

Foco da política externa durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva, o estreitamento das relações comerciais entre o Brasil e a África tem beneficiado muito mais países africanos produtores de petróleo do que a indústria brasileira. Em 10 anos, houve avanço no fluxo de comércio entre as duas regiões, mas as exportações brasileiras começam a dar sinais de arrefecimento, enquanto as compras de petróleo pela Petrobras chegaram a níveis históricos em 2013. Para especialistas, altos custos e dificuldades logísticas limitam a entrada de produtos nacionais no continente, que vem sendo invadido pela produção chinesa.

Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), as vendas de produtos brasileiros para países africanos vêm caindo desde 2011, quando bateram o pico de US$ 12,224 bilhões, coroando um crescimento impulsionado pelo esforço para ampliar o comércio entre as duas regiões, com uma série de missões comerciais e abertura de embaixadas no continente. Em 2013, o país vendeu US$ 11,087 bilhões. Dados deste ano apontam para a manutenção da curva de queda: nos quatro primeiros meses, as exportações caíram 13,13%, com destaque para a redução de vendas de produtos alimentícios, barras de ferro e aço e veículos.

“Apesar da maciça promoção comercial do Brasil na África, ainda não estamos aproveitando as oportunidades geradas no continente”, diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). “Por não ter uma indústria forte, a África é um típico importador de manufaturados. Mas as necessidades do continente estão sendo supridas por produtos chineses”, completa ele. A participação do continente africano nas exportações brasileiras ainda é tímida: em 2013, foi de 4,58%; no melhor ano, 2009, chegou a 5,68%.

Especialistas apontam o custo Brasil e as dificuldades logísticas como principais entraves ao aumento do comércio bilateral, em um momento em que a África vem registrando forte crescimento econômico, impulsionado pelas vendas de commodities e pelo consumo das famílias — estimativas do Banco Mundial apontam para este ano alta de 5,2% no PIB dos países subsaarianos, contra 4,7% registrados em 2013. “O continente tem uma população de mais de 1 bilhão de pessoas, com uma classe média que cresce acima da média mundial e precisa de produtos alimentícios e bens de consumo”, comenta Dirk Van Hoomisen, da empresa de navegação Safmarine, que tenta expandir as rotas entre os dois continentes.

“O problema é que as rotas tradicionais fazem transbordo no Norte da África, o que torna o transporte mais caro e demorado”, pondera Abel Domingos, presidente da Câmara de Comércio Brasil-África. Ele negocia com armadores e com a autoridade portuária das Ilhas Canárias a implantação de um hub para distribuição de produtos brasileiros para o continente africano. Para o presidente da AEB, o alto custo da produção brasileira contribui para reduzir a competitividade diante da invasão chinesa. “Se você tem um produto caro com logística cara, vai ter exportações supercaras”, resume.

Segundo Castro, o grande crescimento das exportações para o continente africano nos últimos anos foi provocado, principalmente, pelas empreiteiras que ganharam obras de infraestrutura e, devido ao financiamento à exportação, levaram consigo equipamentos e serviços. As vendas de bens de consumo ainda patinam, diz ele, que é crítico do foco da política externa na África. “O continente representa apenas 3% do comércio mundial”, argumenta. Lula fez 33 viagens presidenciais à África e criou 19 embaixadas no continente durante os oito anos de governo.

No entanto, os números mostram que os maiores beneficiados pelo comércio com o continente africano são os países produtores de petróleo. No ano passado, o déficit brasileiro com a África chegou a US$ 6,358 bilhões, fruto de uma diferença entre importações de US$ 17,445 bilhões e exportações de US$ 11,087 bilhões. As compras brasileiras praticamente triplicaram em dez anos, devido à maior necessidade de petróleo importado para abastecer o mercado interno. Grande produtor, a Nigéria é hoje o quarto país no ranking dos que mais vendem produtos para o Brasil.

Segundo um diplomata que participa das negociações econômicas com a África, a orientação da presidenta Dilma Rousseff é manter a prioridade em investimentos e trocas comerciais com o continente africano. Em relação às exportações, diz ele, o foco é de incentivar as vendas de máquinas e equipamentos, aproveitando o momento de industrialização dos países da região. Para esse mês, está prevista a exportação de máquinas pelo Programa Mais Alimentos para o Zimbábue. Para Angola, duas missões recentes do governo brasileiro tiveram o objetivo de fazer parcerias para a produção conjunta de maquinários com cooperação técnica e crédito do Brasil.