A volta do bangue-bangue
Pedir sensatez e
equilíbrio à “bancada da bala” na Câmara é pura perda de tempo. Eles só querem
vender mais armas e munição
Octávio
Costaocosta@brasileconomico.com.br
Não satisfeita em pedir a redução da maioridade penal para 16 anos, a
“bancada da bala” perde o pudor e sai em defesa da revisão do Estatuto do
Desarmamento. Faz todo o sentido. Os parlamentares que tiveram campanhas financiadas
pela indústria armamentista propõem a flexibilização da lei em vigor. O projeto
de lei do deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC) — que adota o lema
“bandido bom é bandido morto”, do Esquadrão da Morte — é espantoso. Entre
outros descalabros, reduz de 25 para 21 anos a idade mínima para porte de
armas, permite a compra de até nove armas por pessoa, dá por definitivo o
registro sem necessidade de renovação e libera a publicidade de armas e munição
em todo o país. A proposta, obviamente, tem o apoio da indústria. E o argumento
principal dos que querem a volta ao tempo do bangue-bangue é que a arma de fogo
é um direito de todo cidadão.
Como é de se esperar, o incorrigível Jair Bolsonaro (PP-RJ) engrossa o
coro dos que veem a necessidade de andar armado pelas ruas. Diz ele: “Uma nova
lei se torna imperiosa no sentido de facilitar àqueles que desejem a aquisição
de arma de fogo para defesa própria, de seus familiares e patrimônio”. E mais:
“A população, rural ou urbana, não pode continuar convivendo com o fantasma da
insegurança, já que o poder público não é onipresente”. Aonde Bolsonaro
estiver, as pessoas que amam a paz, os direitos humanos e a democracia estarão
em lado oposto. Mas sua peroração belicista convence parte da opinião pública.
Nos jornais, são publicados arrazoados semelhantes. “Não admito ser vítima
indefesa com um letreiro na testa dizendo podem me assaltar, pois sou
inofensivo, desarmado, uma presa fácil para os bandidos”, comentou um leitor de
“O Globo”. No mesmo tom, outro disse que “precisamos devolver ao cidadão o
direito de se defender”.
De minha parte, quando ouço falar de pais de família (com 21 anos?)
armados, penso em meu pai, que era tenente da reserva pelo CPOR e exímio
atirador. Ele nunca teve armas em casa e dava uma justificativa muito simples.
“Se você enfrentar um ladrão terá de atirar para matar. E isso não faz parte de
nossa formação. Mesmo armados, seremos presa fácil. O melhor é não reagir a um
assalto”. Fico imaginando qual seria a reação do cineasta Zelito Viana (pai do
ator Marcos Palmeira) quando teve sua casa no Cosme Velho invadida por ladrões
que renderam toda sua família. Se tivesse porte de nove armas, o que faria
Zelito? Trocaria tiros com assaltantes no meio da sala, com sua mulher e outros
parentes na alça de mira dos bandidos? Perderia toda a família, mas teria
exercido legítimo direito de defesa, não é mesmo, Bolsonaro?
Pais de família não são pistoleiros, nem atiradores de elite. De que
servem nove armas para gente de paz? Não é preciso falar de acidentes
domésticos com armas nas mãos de crianças ou de vinganças de adolescentes
psicóticos. Mas vale lembrar que mesmo profissionais podem ser mortos com
facilidade. Contava meu pai que o xerife Wild Bill Hickok (1837-1876), figura
lendária do Velho Oeste, foi morto com um tiro pelas costas quando jogava
pôquer num saloon. Era rápido no gatilho, estava armado e morreu com as cartas
na mão. Mesmo assim, os adeptos do projeto de Peninha afirmam que quem usa um
Colt não precisa chamar a polícia. Mas pedir sensatez e equilíbrio à “bancada
da bala” é pura perda de tempo. Eles só querem vender mais armas e munição.