quarta-feira, 22 de abril de 2015


A volta do bangue-bangue

Pedir sensatez e equilíbrio à “bancada da bala” na Câmara é pura perda de tempo. Eles só querem vender mais armas e munição

Octávio Costaocosta@brasileconomico.com.br

Não satisfeita em pedir a redução da maioridade penal para 16 anos, a “bancada da bala” perde o pudor e sai em defesa da revisão do Estatuto do Desarmamento. Faz todo o sentido. Os parlamentares que tiveram campanhas financiadas pela indústria armamentista propõem a flexibilização da lei em vigor. O projeto de lei do deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC) — que adota o lema “bandido bom é bandido morto”, do Esquadrão da Morte — é espantoso. Entre outros descalabros, reduz de 25 para 21 anos a idade mínima para porte de armas, permite a compra de até nove armas por pessoa, dá por definitivo o registro sem necessidade de renovação e libera a publicidade de armas e munição em todo o país. A proposta, obviamente, tem o apoio da indústria. E o argumento principal dos que querem a volta ao tempo do bangue-bangue é que a arma de fogo é um direito de todo cidadão.

Como é de se esperar, o incorrigível Jair Bolsonaro (PP-RJ) engrossa o coro dos que veem a necessidade de andar armado pelas ruas. Diz ele: “Uma nova lei se torna imperiosa no sentido de facilitar àqueles que desejem a aquisição de arma de fogo para defesa própria, de seus familiares e patrimônio”. E mais: “A população, rural ou urbana, não pode continuar convivendo com o fantasma da insegurança, já que o poder público não é onipresente”. Aonde Bolsonaro estiver, as pessoas que amam a paz, os direitos humanos e a democracia estarão em lado oposto. Mas sua peroração belicista convence parte da opinião pública. Nos jornais, são publicados arrazoados semelhantes. “Não admito ser vítima indefesa com um letreiro na testa dizendo podem me assaltar, pois sou inofensivo, desarmado, uma presa fácil para os bandidos”, comentou um leitor de “O Globo”. No mesmo tom, outro disse que “precisamos devolver ao cidadão o direito de se defender”.

De minha parte, quando ouço falar de pais de família (com 21 anos?) armados, penso em meu pai, que era tenente da reserva pelo CPOR e exímio atirador. Ele nunca teve armas em casa e dava uma justificativa muito simples. “Se você enfrentar um ladrão terá de atirar para matar. E isso não faz parte de nossa formação. Mesmo armados, seremos presa fácil. O melhor é não reagir a um assalto”. Fico imaginando qual seria a reação do cineasta Zelito Viana (pai do ator Marcos Palmeira) quando teve sua casa no Cosme Velho invadida por ladrões que renderam toda sua família. Se tivesse porte de nove armas, o que faria Zelito? Trocaria tiros com assaltantes no meio da sala, com sua mulher e outros parentes na alça de mira dos bandidos? Perderia toda a família, mas teria exercido legítimo direito de defesa, não é mesmo, Bolsonaro?

Pais de família não são pistoleiros, nem atiradores de elite. De que servem nove armas para gente de paz? Não é preciso falar de acidentes domésticos com armas nas mãos de crianças ou de vinganças de adolescentes psicóticos. Mas vale lembrar que mesmo profissionais podem ser mortos com facilidade. Contava meu pai que o xerife Wild Bill Hickok (1837-1876), figura lendária do Velho Oeste, foi morto com um tiro pelas costas quando jogava pôquer num saloon. Era rápido no gatilho, estava armado e morreu com as cartas na mão. Mesmo assim, os adeptos do projeto de Peninha afirmam que quem usa um Colt não precisa chamar a polícia. Mas pedir sensatez e equilíbrio à “bancada da bala” é pura perda de tempo. Eles só querem vender mais armas e munição.