segunda-feira, 27 de abril de 2015


'Articulação política é tarefa de todo o governo'

Ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, diz ser apenas um braço auxiliar na interlocução com o Parlamento

Deco Bancillondeco.bancillon@brasileconomico.com.br e Edla Lulaelula@brasileconomico.com.br

Com quatro meses do segundo mandato presidencial, a impressão que se tem é de que o governo está parado, esperando a nuvem negra passar...

O governo está trabalhando intensamente, preparando aquilo que foi discutido no ano passado, e que foi anunciado em linhas gerais no início do governo. E, principalmente, fazendo a compatibilização daquilo que se deseja fazer, com aquilo que o Orçamento vai permitir. Não há nenhuma paralisia. O que há, evidentemente, é um momento em que não se pode dizer publicamente algo, sem ter fechado todas as contas.

Em sua área, como está o plano de expansão da internet, o Banda Larga para Todos?

Está bem avançado e tudo o que a gente pode dizer, por ora, é que os objetivos são ambiciosos. A lógica é da inclusão. O ideal é alcançar 100% da população, mas atingir isso é sempre muito difícil. Nossa meta é o máximo possível de pessoas recebendo educação, informações e cultura pela internet em banda larga, com velocidade muito acima do que temos hoje no país.

Como será a participação das empresas no programa?

Elas têm uma demanda, que é a demanda de mercado. Elas vão atrás dessa demanda, independentemente do governo. Existe uma demanda social, em que o governo interpreta o sentimento das pessoas e tenta atender. As empresas querem condições para que não se imponha a elas grandes restrições, do ponto de vista do resultado. Em algumas localidades, será preciso um subsídio grande, porque precisaremos de algo que atraia as empresas. A banda larga no futuro vai representar um misto de sinal de TV, de rádio, com acesso a tudo o que existe de possibilidade de consumo, de serviços e de serviços governamentais. Para quem usa a internet intensamente, já é assim. A demanda é por internet móvel. Internet fixa continua sendo importante, mas as pessoas querem smartphone, tablet e notebook conectado. Smartphone é um fenômeno irreversível. As pessoas querem.

A política de desoneração vai permanecer?

A política de desoneração do smartphone continua. A obrigação que nós impusemos para as empresas é que tenham conteúdo nacional.

As metas para implantação da TV digital serão cumpridas?

Acredito que sim. Temos a meta de migrar em todo o Brasil até 2018. Até 2016 desligaremos as TVs analógicas em Brasília, Rio e São Paulo. Até 2018 atingiremos as regiões Norte e Nordeste. O desafio é saber onde estão as pessoas sem conversor. Os cadastrados no Bolsa Família terão conversor de graça, mas nem todo mundo está no Bolsa Família. Teremos que criar meios para chegar também a essas pessoas.

Em relação ao contingenciamento, como está seu ministério?

Fizemos um diagnóstico e a presidenta tende a concordar que o contingenciamento não pode ser linear. Há áreas estratégicas que devem ser, senão poupadas, no mínimo menos contingenciadas.

Nas comunicações, o que é estratégico?

Sem querer puxar a tensão para o lado do Ministério, nas comunicações tudo é estratégico. Não existe mais Ministério das Comunicações: agora, é Ministério das Comunicações em Tudo. A vida caminha para dentro de um smartphone. Em qualquer empresa, média ou grande, tem alguém pensando uma estratégia para vender pela internet e para reduzir custos usando TI.

Há uma discussão sobre o uso do Fundo de Universalização do Setor de Telecomunicações (Fust) para fechar as contas públicas. O Fust vai ser usado para o plano de banda larga, ou vai para a Fazenda, para fazer superávit?

Não existe isso de os recursos do Fust irem para a Fazenda para fazer superávit. A contabilidade é única do governo. O que existe é o seguinte: como o Fust é um fundo contábil, historicamente sempre foi usado em grande parte para a contabilidade geral da União, do resultado geral. Temos outros fundos, Fistel, Funtel, que têm características específicas. Sabemos que este ano há um aperto maior, mas nossa meta é ao longo dos anos ir liberando recursos para ampliar sua utilização em telecomunicação.

De que maneira o Ministério está envolvido na investigação do fundo Postalis?

O Fundo é patrocinado por uma empresa chamada Correios. A responsabilidade do ponto de vista do patrocinador é dos Correios, e não do Ministério das Comunicações. Sou um militante da causa dos participantes dos fundos de pensão desde os tempos do sindicato. Passando pela minha atuação como ministro da Previdência e como parlamentar, sempre defendi que o dinheiro do trabalhador é sagrado e qualquer má utilização tem que ser investigada e, se apurada irregularidade ou imperícia, deve haver a consequência para quem praticou os atos. Não há qualquer razão para o ministério achar que vai posar de xerife nessa questão do Postalis. Xerife é a Previc (Superintendência Nacional de Previdência Complementar), é o Ministério Público e a Polícia Federal.

Existe um pedido de CPI dos Fundos de Pensão na Câmara. No âmbito da Lava Jato, diz-se que os recursos dos fundos, controlados por PT e PMDB, teriam sido usados incorretamente.

Não conheço nenhum fundo de pensão controlado por partido. São controlados por pessoas físicas, que têm responsabilidades. Nos anos 90 já vimos, por exemplo, no Ministério das Comunicações, a atuação de dirigentes operando para incluir o fundo de pensão A, ou fundo de pensão B. Ligações foram grampeadas e as fitas vazaram (escândalo conhecido como grampo do BNDES). Eu sou contra isso. Fundo de pensão é para ser usado estritamente nos interesses dos associados, e se houver qualquer pessoa que tenha tido atuação irregular, não se culpe o partido A, B, C ou D.

As nomeações políticas atrapalham a boa gestão dos fundos de pensão?

O fato de uma pessoa ser filiada a um partido não quer dizer que seja uma nomeação política. O ex-presidente da Previ, Sérgio Rosa, fez, em minha opinião, a melhor gestão da história na Previ e era filiado a um partido político, exatamente o mesmo que eu.

A oposição prega abertamente a extinção do PT. O sr. vê essa CPI como mais uma estratégia para destruir o partido? Como fazer para soerguer?

Em 2005, um então senador da República do PFL (Jorge Bornhausen) disse que tinha o objetivo de “acabar com essa raça” — a raça eram os petistas. O partido dele não existe mais. Teve que trocar de nome para sobreviver. Pessoalmente, acho que isso faz parte da disputa política. O Brasil já viveu isso com Getúlio Vargas, com JK, depois com Jango. Vivemos isso com Lula. Em 2007, foi levada à OAB uma proposta para que a Ordem encabeçasse o pedido de impeachment do Lula. Acho um exagero e um oportunismo daqueles que são golpistas e querem sempre a ruptura como a solução para sua própria incapacidade política.

Mas como um dos articuladores políticos do governo, como o sr. vê e que estratégias tem para conter essa ira anti-PT?

Em primeiro lugar, sou um humilde auxiliar nos assuntos de articulação política. Auxiliar mesmo. Não estou sendo modesto. Acho que o papel de articulação cabe agora ao vice-presidente Michel Temer e o que ele precisar que eu ajude, vou ajudar, porque gosto muito do Michel.

Então o PT é só um braço auxiliar na articulação?

E por que não pode ser? O PT não pode achar que a articulação política é uma tarefa sua. É uma tarefa de todo o governo, e o ministro pode ser de qualquer partido, ou até sem partido, desde que tenha conhecimento e competência para isso.

O sr. disse recentemente que não dá pra jogar bem só em gramado bom. Com Temer o gramado ficou mais verde?

Não. O jogador é melhor. Temer é um jogador que tem a responsabilidade de ser vice-presidente, ou seja, entra em campo com uma responsabilidade superior à que eu tinha na SRI, à que Pepe (Vargas) ou Ideli (Salvati) tinham. E tem a nossa solidariedade. O PT não se sente nem um pouco diminuído por isso. Desde o primeiro momento eu fui um dos articuladores para Michel ser o vice-presidente. Temer joga no time do governo. Na presidência da Câmara e do Senado, cada um desempenha seu papel institucional. Quando a pessoa assume a mesa da casa, não deixa de ser do partido, mas tem outras responsabilidades que o partido não comanda. O partido não pode dizer ao Renan (Calheiros, presidente do Senado) ou ao Eduardo Cunha (presidente da Câmara) o que fazer.

O PMDB ficou mais calmo com a entrada de Michel Temer em campo?

Não quero tratar esse assunto como uma questão do PMDB. Se fosse só o PMDB, seria fácil. O partido tem 65 deputados, seria possível construir uma maioria sem o PMDB. O problema é que houve um esgarçamento em alguns momentos da relação da base parlamentar. Entre 2012 e 2014, por razões programáticas, houve vários momentos em que os partidos da base não se entenderam no Congresso. Não foi um problema só da relação com o governo. Em temas como o projeto da terceirização, a PEC 215 das terras indígenas, a homofobia, houve uma fratura na base. É hora de reconstruir e reorganizar essa relação.

Mas como virar esse jogo?

A oposição está no papel dela, de se aproveitar disso para ter uma vitória. A realidade existe. Não podemos fingir que não existe. O que fazer? A presidenta tem um programa para executar, temos é que priorizar quais são os pontos mais consensuais desse programa na base, e evitar os pontos que são divergentes.

Foi um erro do PT não ter afastado do partido o tesoureiro João Vaccari preventivamente, para evitar respingos da Operação Lava Jato no governo?

Afastar Vaccari do partido não adiantaria muita coisa. O tesoureiro do partido não é necessariamente colado no governo. Até agora, não vi nada de concreto em relação à denúncia contra Vaccari. E achei a prisão dele estranha. Foi logo depois que ele foi à CPI e mostrou que todos os grandes partidos receberam contribuições de campanha das empresas que estão sendo investigadas na Lava Jato, em valores semelhantes e inclusive maiores. A questão geral é se discutir por que existe corrupção no Brasil e no mundo. Estamos diante da dúvida do ovo da galinha. Onde começa a corrupção: no político corrupto, ou no empresário corruptor? O financiamento privado de campanha induz os políticos e os partidos a se aproximarem de maneira perigosa das empresas. Todos os partidos grandes assumiram esse risco. Não conheço partido grande que não se utilize de financiamento privado de campanha. Cabe à polícia apurar quais os que atravessaram a linha da corrupção.

Por que sr. achou estranha a prisão de Vaccari?

Um cidadão que comparece voluntariamente a todas as demandas para esclarecer questões precisa ser preso preventivamente? Não sei se havia qualquer elemento que justificasse a prisão do Vaccari. Várias detenções desse processo da Lava Jato me parecem estranhas. Inclusive a duração de determinadas prisões, que se estendem por meses, muitos meses. Quando o constituinte criou alguns pressupostos como garantias fundamentais do Estado democrático de direito, o fez por compreender aquilo que todos os que têm compromissos com a democracia temem: o uso de expedientes investigatórios para influenciar a vida política do país.

Esse expediente está sendo usado? Como o sr. vê esse movimento que existe hoje no Congresso e nas ruas, que analistas apontam como um processo de conservadorização da sociedade brasileira, acusando o PT de bolivarianismo?

Estaríamos diante do Tea Party brasileiro? Tem uma franja brasileira muito conservadora, do ponto de vista de comportamento e da economia, e tem outra parte que de fato verbaliza um comportamento de intolerância — não gosto da palavra ódio. Nas democracias mais avançadas do mundo existem partidos de direita, de esquerda, de centro-esquerda, de centro-direita. O Brasil tem que aprender a ser tolerante e se expressar através da participação, da manifestação e do voto, mas sem mentira. Quem conhece o programa do PT, sabe que o PT jamais teve qualquer tipo de radicalismo nas grandes questões que interessam ao povo brasileiro. Tem gente que insiste em dizer que o PT flerta com a censura, mas é um compromisso nosso, com a nossa história, defender a liberdade de expressão.

Há, inclusive, a argumentação de que o sr. iria patrocinar a censura na proposta de regulamentação da mídia...

Não há na sociedade brasileira hoje um pensamento homogêneo sobre este assunto. Não havendo, seria uma precipitação o governo apresentar uma proposta para regulamentação da mídia. O governo não tem uma proposta pronta; é uma discussão que tem que ser feita. Muitos fazem críticas a uma proposta que ainda nem discutimos. Mas se eu assinasse a lei atual, as pessoas diriam que ela é bolivariana. As regras atuais não tratam de aspectos fundamentais julgados importantes em outros países. Não falo de Venezuela, Bolívia ou Argentina. Falo de Inglaterra, com a lei assinada por sua majestade, a Rainha Elizabeth. Não sou bolivariano, sou elizabethiano. O governo brasileiro tem um compromisso inarredável com a liberdade de expressão. E mesmo que não tivesse, o princípio da liberdade de expressão é uma clausula pétrea da Constituição.

A oposição busca fundamentações para sustentar o pedido de impeachment, como o relatório do TCU condenando as pedaladas fiscais do governo. Acha que irão concretizar o pedido?

A oposição tem obsessão pelo impeachment. Tem até pessoas da oposição mais cautelosas, mas, aparentemente, aqueles que dirigem os partidos têm essa obsessão. Talvez eles vejam isso como a única forma de desalojar a presidenta Dilma Rousseff da direção do país, já que disputaram a eleição recentemente e perderam.

Qual a diferença entre o “fora Collor”, o “fora FHC” e o “fora Dilma”?

Em primeiro lugar, nunca foi pedido o impeachment do presidente Fernando Henrique. Algumas pessoas no PT usaram a expressão “fora FHC” como uma bandeira política para dizer “fora” à política que estava lá. Mas nunca chegou a ser proposto o impeachment. Nem quando Fernando Henrique operou abertamente, segundo a própria imprensa noticiou, para impedir a CPI da corrupção. Nem quando houve o escândalo das fitas da Telebrás. Nós, do PT, sempre achamos que, tendo alguém sido eleito, tem que cumprir o mandato, fazemos oposição e na época da eleição tentamos ganhar. No caso do Collor, foi diferente. Houve alguns elementos que motivaram a própria ABI, a OAB e a CNBB a propor o impeachment. Para ser justo, o PT até defendeu o impeachment de Collor, mas não pediu.

A postura da oposição encontra eco nos movimentos que, agora, com o relatório do TCU, dispõem de um fato concreto para voltar às ruas. Acha que o movimento seguirá diminuindo em volume, como aconteceu no 12 de abril, ou pode ganhar força?

O fato de ter havido mais ou menos manifestantes em 12 de abril, do que em 15 de março, não me impressiona. Pode ter sido motivado por vários fatores. Não é a contabilidade de pessoas nas manifestações que vai determinar o rumo da história. Manifestações são democráticas. No Chile, por exemplo, os estudantes colocam 100 mil pessoas na rua, com uma população muito menor que a nossa, para protestar contra a privatização da educação. Posso dizer que a maior parte das pessoas que foram às ruas era composta por aquelas que votaram no candidato da oposição, e uma boa parte tem um grau de intolerância política brutal; são pessoas sem compromisso com a democracia. Mas acho positivo o fato de irem se manifestar, mesmo quando empunham bandeiras não democráticas.

Representantes desses movimentos levaram ao Congresso a proposta de criação da CPI das urnas eletrônicas, sob a acusação de que a empresa que forneceu o serviço teria relações com o PT e teria fraudado a eleição de Dilma. Como vê essa possibilidade?

Acho ótimo que se monte a CPI das urnas eletrônicas. Interessante é que, durante a eleição, militantes do PT me procuraram para dizer que a empresa tinha vínculos com o PSDB e eu disse: “Gente, mesmo se tiver, o sistema é todo auditado, nós temos direito de indicar auditor para fazer auditagem do software”. Fraude por fraude, a urna de papel é muito mais sujeita a fraude. Elegemos quatro mandatos do PT num país onde o establishment sempre foi reticente ao PT. Jaques Wagner ganhou duas eleições e elegeu um governador em um estado onde sempre foi minoria do ponto de vista do establishment. Não vejo razão para ter desconfiança em relação à urna eletrônica.

Como vê a proposta de fusão entre os partidos Democratas e PTB, e ainda a ameaça do PDT de deixar a base do governo?

Não creio que ocorra a fusão entre o DEM e o PTB. Até agora, 23 deputados já assinaram contra. No caso do PDT, é outra coisa. O PDT tem um vínculo histórico com nosso projeto e com a presidenta Dilma. Ela foi filiada ao PDT e foi o primeiro partido que apoiou a presidenta.

Mas cinco dos seis senadores assinaram a carta sugerindo a ruptura...

Faz parte do jogo. Depois de 30 anos de vida política, eu não tenho direito de me impressionar com os momentos que são lances da vida política. Vamos dialogar. Carlos Lupi (presidente do PDT) é um grande companheiro, Manoel Dias é um grande companheiro. Tenho dialogado com muitos deputados da bancada do PDT que são muito atuantes e pessoas muito corretas.

A discussão em torno das eleições de 2018 se antecipou. As pesquisas já apontam queda na popularidade do ex-presidente Lula. O sr. concorda com analistas que dizem que o impeachment agora ajudaria a candidatura de Lula em 2018?

Essa observação traz muito de especulação. Não tem nem como comentar. Eu acompanho todas as pesquisas desde os anos 80 e tenho coleções de pesquisas arquivadas. As pesquisas flutuam do jeito que você quiser. Depois de julho de 2013, nove em cada dez pessoas avaliavam que a presidenta Dilma não seria reeleita. E ela foi, apesar da capa da “Veja”...

Quais as chances de Lula ganhar em 2018?

Para ganhar o campeonato, tem que jogar um jogo de cada vez. Quem pensar em 2018 agora, vai deixar de fazer as tarefas que tem que fazer agora, para pensar em 2018. Faz errado quem fica especulando se Lula vai ser candidato, ou não. Não passaram nem as eleições municipais.