'Isolado, o Brasil precisa
ousar', afirma o economista Octavio de Barros
O economista do
Bradesco prevê que o biênio 2015-16 poderá ser lembrado como “passagem” para um
novo regime de crescimento
Octávio
Costaocosta@brasileconomico.com.br
Responsável pelo Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos (Depec)
do Bradesco, o economista Octavio de Barros mantém a projeção de 1,5% de queda
do Produto Inetrno Bruto (PIB) este ano, mas prevê que o biênio 2015-16 poderá
ser lembrado no futuro como o “rito de passagem” importante para um novo regime
de crescimento de melhor qualidade. Ele afirma que, sem dispor de dínamos
visíveis de crescimento, o Brasil “precisa ousar e tomar iniciativas que abram
novas possibilidades”. A melhor estratégia, diz Barros, é o que os franceses
chamam de fuga para frente fuite em avance. Ou seja, para além do ajuste
fiscal, deve-se adotar uma “cultura de governança”, que vai desde a governança
fiscal e orçamentária, à governança das empresas e dos bancos públicos,
passando pela gestão das cidades e dos sistemas de saúde e educação. Outro
ponto crucial, a seu ver, é a abertura da economia brasileira: “ É importante
transmitir ao mundo que o Brasil quer deixar de ser o país comercialmente mais
fechado do planeta”.
O ajuste fiscal é defendido pelo governo como a solução para recuperar o
crescimento econômico e ajudar no resgate da credibilidade e da confiança dos
empresários e investidores. Alguns economistas, porém, consideram que o ajuste
vai derrubar a taxa de investimento, aprofundando a recessão. O remédio pode
dar errado?
Gosto da tese defendida por Joaquim Levy de que o ajuste macro atual
existe por causa do enfraquecimento do PIB, e não o contrário. O que se
pretende agora é preparar as bases de uma nova plataforma de crescimento
futuro. O país pode reverter com relativa facilidade o cenário adverso atual,
caso seja possível um mínimo de coesão a favor de ajustes relativamente rápidos
que restaurem a previsibilidade perdida. A história mostra que, em momentos de
crise, o país sempre faz as opções certas e o bom senso volta. O Brasil é perfeitamente
reformável. Os primeiros sinais de reversão começam sempre pelo preço de ativos
em geral. Já estamos observando isso claramente. A publicação do balanço
auditado e sem ressalvas da Petrobras poderá vir a ser um gatilho para melhora
de humor. Em seis meses, aproximadamente, já se deverá ver algum sinal no lado
real da economia. A queda de 8% que esperamos nos investimentos em 2015 tem
mais a ver com a retração compreensível dos investimentos em infraestrutura,
devido ao envolvimento de grandes construtoras nos episódios por todos
conhecidos e por conta da cadeia de óleo e gás, que também reduzirá
consideravelmente seus investimentos. De uma forma geral, o processo decisório
das empresas de todos os setores está bastante abalado pela reverberação global
de muitas coisas negativas ao mesmo tempo. A volta da confiança precisa ser
reconstruída gradualmente. Não se decreta.
Com a entrada do vice-presidente Michel Temer no comando da articulação
política com o Congresso, a aprovação das medidas de ajuste será facilitada?
É sempre bom ter pessoas experientes atuando de forma construtiva no
encaminhamento das agendas realmente relevantes para o país. Acredito que o
ajuste fiscal será aprovado em grande medida, talvez em pelo menos 80% do
escopo original proposto, após as contribuições do Congresso. Isso é muito
importante. A nova área econômica do governo me parece estar engajada nesse
espírito cívico e, na minha opinião, precisa ser apoiada, a despeito das
clivagens políticas atuais, traumatizadas por um período eleitoral recente
muito tenso.
Não há o risco de o governo tornar-se refém dos interesses políticos do Congresso e dos movimentos sociais?
Não há o risco de o governo tornar-se refém dos interesses políticos do Congresso e dos movimentos sociais?
Prefiro abordar de outra forma. Hoje a política afeta a economia, mas
chegará um momento em que a recuperação cíclica da atividade econômica será bem
mais relevante do que as tensões políticas atuais e o país voltará a olhar para
frente. Gosto sempre de lembrar que não se pode confundir popularidade com
legitimidade. O que as empresas e as famílias querem é o melhor caminho para
que o país ingresse em uma nova rota de crescimento conduzido por quem tem a
responsabilidade legítima de governar no momento. É um privilégio a democracia
brasileira, sobretudo quando comparamos com a de outros países emergentes.
Sempre insisto que o locus da disputa ideológica tem que ser essencialmente na
discussão do orçamento. É lá que os conflitos políticos tem que acontecer
dentro de regras e balizas claras. O orçamento é a arena do conflito
democrático saudável. Como eu, “modestamente”, me autoclassifico como o mais
republicano (no sentido europeu) dos economistas brasileiros (risos), sempre
vou acreditar naquilo que o economista e professor Albert Hirschman me ensinou,
que é “a economia política do possível”. Usando o jargão de alguns autores
hirshmanianos, me considero um “possibilista”.
Instituições ouvidas pelo Boletim Focus, do BC, apontam para a queda de
1,1% no PIB deste ano. Mas o Depec do Bradesco mantém a previsão de retração
para esse ano em torno de 1,5%? Qual a razão do prognóstico mais pessimista?
É praticamente igual ao do mercado. Mantemos a projeção de 1,5% de queda
do PIB, sem contemplar racionamento formal de energia elétrica. Em caso de
racionamento, o cenário piorará um pouco. Precisa ser dito que não há milagres em
2015. Na verdade, o biênio 2015-2016 poderá vir a se tornar um marco histórico
na economia brasileira, e ser lembrado no futuro como o “rito de passagem”
importante para um novo regime de crescimento de melhor qualidade, sob novas
bases mais objetivas e pragmáticas, até mesmo no enfrentamento mais eficiente
dos problemas sociais. Hoje, temos uma situação de crise que pode vir a
favorecer a construção da tal nova plataforma para um crescimento futuro. Uma
espécie de “benção disfarçada” ( blessing in disguise), como também nos
ensinou o grande Albert Hirshmann. Sem a crise em curso, talvez não venha a ser
possível avançar firmemente em temas que se tornaram tabus no Brasil.
O que na sua opinião seria o maior desafio brasileiro para o país voltar
a crescer sustentavelmente?
Temos que reconhecer que o Brasil não tem muitas alternativas neste momento. De “menina dos olhos”, agora é tratado como “patinho feio” pelo mercado, com grande reverberação e caricatura pela mídia internacional. A rigor, eu diria que o Brasil não tem nenhum problema que mereça de fato ser classificado como insolúvel e que justifique determinados estigmas que infelizmente vão se consolidando. Porém, há muitas décadas o Brasil tem um pecado original. O que temos é um problema crônico de governança, independente de quem governa no Executivo e nos governos regionais e municipais, e também nas empresas públicas e privadas. Observe que eu não estou me referindo à governabilidade. A definição clássica de Governança é a maneira pela qual o poder é exercido na gestão de recursos sociais e econômicos envolvendo transparência, responsabilidade, orientação por consenso, efetividade, eficiência e prestação de contas. Refiro-me a um amplo espectro de temas que vão desde a governança fiscal e orçamentária, à governança das empresas e dos bancos públicos, gestão das cidades, gestão da defesa comercial, dos sistemas de saúde e educação, gestão do mundo do trabalho, das políticas de inovação, do sistema tributário, do grau de autonomia das agências governamentais etc.
Temos que reconhecer que o Brasil não tem muitas alternativas neste momento. De “menina dos olhos”, agora é tratado como “patinho feio” pelo mercado, com grande reverberação e caricatura pela mídia internacional. A rigor, eu diria que o Brasil não tem nenhum problema que mereça de fato ser classificado como insolúvel e que justifique determinados estigmas que infelizmente vão se consolidando. Porém, há muitas décadas o Brasil tem um pecado original. O que temos é um problema crônico de governança, independente de quem governa no Executivo e nos governos regionais e municipais, e também nas empresas públicas e privadas. Observe que eu não estou me referindo à governabilidade. A definição clássica de Governança é a maneira pela qual o poder é exercido na gestão de recursos sociais e econômicos envolvendo transparência, responsabilidade, orientação por consenso, efetividade, eficiência e prestação de contas. Refiro-me a um amplo espectro de temas que vão desde a governança fiscal e orçamentária, à governança das empresas e dos bancos públicos, gestão das cidades, gestão da defesa comercial, dos sistemas de saúde e educação, gestão do mundo do trabalho, das políticas de inovação, do sistema tributário, do grau de autonomia das agências governamentais etc.
Como avançar nesse sentido?
Seria importante tomar medidas que caminhem na direção da construção de
uma cultura da governança transparente e focada. Esta é a hora, me parece.
Lembro, nesse caso, o impactante lema de campanha do ano passado do atual
primeiro-ministro Narendra Modi, da Índia: “Menos governo, mais governança”. No
caso brasileiro, algumas ações governamentais de impacto deveriam ter caráter
unilateral, ou seja, que não dependessem de grandes negociações ou
contrapartidas. Iniciativas espontâneas, como a ampliação da atratividade dos
novos programas de concessões de obras públicas. Cairiam muito bem nesse
momento. Seria o melhor meio para mobilização do setor privado para algo tão
crucial e urgente para o país. Refiro-me a sinais emblemáticos dessa mudança de
atitude em várias áreas. Justamente pelo fato de o Brasil não dispor neste
momento de dínamos visíveis de crescimento, precisaria tomar iniciativas para
construir novas pontes, possibilidades e sinalizações, sem prejuízo de avanços inequívocos
que já foram obtidos nos últimos 20 anos. A inclusão social marginal agora é
naturalmente decrescente e os fundamentais investimentos de infraestrutura
estão temporariamente abalados por episódios amplamente conhecidos como
Operação Lava Jato. A melhor estratégia é o que os franceses chamam de fuite en
avant (fuga para frente).
A abertura da economia seria uma dessas áreas. Neste momento não seria
complicada?
Claro que, com a devida delicadeza, precisamos ampliar a abertura da
economia brasileira para nos reinserirmos nos grandes polos dinâmicos da
economia mundial. Estamos inequivocamente isolados. Sem ingenuidades, porém com
determinação, me parece fundamental avançar nessa direção, sobretudo depois da
brutal e consistente alteração na taxa de câmbio real, que atenua eventuais
impactos de uma abertura um pouco mais ousada. Ou seja, a ideia é trocar câmbio
depreciado por redução de tarifas de importação. Simples assim. Precisamos
mapear o mundo surgido depois de 2008 e propor ações ousadas que nos recoloquem
de volta ao jogo dos investimentos domésticos e globais. Entendo que uma
leitura objetiva das grandes transformações globais pós-crise de 2008 deveria
nos levar a tomar iniciativas que, em algumas circunstâncias, independam de
longos e complexos acordos multilaterais. Esta é a hora de medidas unilaterais
e sinalizadoras de abertura comercial e o máximo de acordos bilaterais. É
importante transmitir ao mundo que o Brasil quer deixar de ser o país
comercialmente mais fechado do planeta. O Mercosul precisa ser profundamente
repensado e os exemplos dos países da Aliança do Pacífico não deveriam ser
desprezados. Acho que isso seria formidável, sobretudo para o setor industrial
brasileiro, que se fortaleceria muito (e não o contrário) com maiores perspectivas
de integração e modernização técnica. Já temos no Brasil uma bela base
industrial para avançar, com muito mais abertura do que temos hoje.
Seria uma mudança muito drástica de orientação?
Não acho que seja, sobretudo para quem não tem muita alternativa. Penso
que temos que reconhecer que o Brasil está bastante isolado e apenas o câmbio
depreciado não nos garantirá um dinamismo comercial e produtivo. A reconquista
da confiança local e internacional depende dos sinais adequados que
transmitimos ao mundo. Confiança é a pedra fundamental de qualquer estratégia
bem-sucedida. O Brasil precisa se tornar um país normal, que persegue as
melhores práticas internacionais em vários planos e não apenas no plano
macroeconômico. Parece-me fundamental que seja aproveitado o momento de crise
para repensar o regime de crescimento brasileiro, com foco na eficiência, na
produtividade (via retomada da agenda de reformas microeconômicas) e sobretudo
na governança. Evidentemente, a preservação da inclusão social é inegociável
nessa nova construção. O país precisa ingressar naquilo que eu gosto de chamar
de “era da exemplaridade”. Deve perseguir o bom exemplo sempre, as boas
práticas e as histórias de sucesso que se observa mundo afora em vários níveis.
Precisamos nos afastar das jabuticabas e do argumento de que aqui as coisas são
diferentes. A rigor, todo país é diferente. O enraizamento dessa ideia me
parece o grande elemento que permitirá ao Brasil crescer pelo menos em linha
com aquilo que a conjuntura global permitir.
Muita gente vê contradição no fato de a política econômica ser conduzida
por um seguidor da Escola de Chicago em um governo presidido pela presidenta
Dilma Rousseff, ex-aluna da Unicamp e declarada keynesiana. O sr.concorda?
Não vejo nenhum problema quando se tem o interesse comum. Todas as
escolas merecem respeito. Joaquim Levy é uma pessoa muito experiente, é
pragmático e com sensibilidade social. Enganam-se aqueles que acham que ele
seja uma pessoa inflexível e obcecada pela ortodoxia. Vejo o Levy como um luxo
para o Brasil pelo seu espírito cívico de servidor público com compromissos com
um Brasil moderno e socialmente justo. Tenho certeza que a presidenta Dilma tem
grande admiração pela competência dele e dá suporte enfático ao trabalho
corajoso que vem sendo realizado. Chamo a atenção também para o papel
complementar exercido pelo Nelson Barbosa, que considero um dos melhores
quadros brasileiros, que conhece como ninguém as entranhas do setor público.
Ele e o Levy estão trabalhando na mesma direção e a formação intelectual de
ambos é bastante diversa. Ninguém é melhor do que ninguém. Acho que todos no
governo entenderam a mensagem de que este momento é doloroso e com alto custo
político, e até mesmo com algum temporário agravamento do desemprego. Mas o país
precisa forjar consensos novos, visando uma nação que não tolere relações
econômicas arcaicas e que seja ao mesmo tempo socialmente ambiciosa.
Foi um erro estratégico atacar logo de início questões como a pensão por
morte e o seguro-desemprego? Não havia cortes menos polêmicos a realizar?
Não concordo. São temas que já estavam em discussão no Ministério da Fazenda desde 2014. São medidas que têm como objetivo fortalecer o sistema de proteção social brasileiro, e não diminuí-lo. São ajustes fundamentais e incentivos corretos para que os benefícios sejam disponíveis a quem de fato precisa. O ministro Nelson Barbosa mencionou em uma conferência que 70% dos beneficiários do seguro-desemprego têm até 22 anos. Eu fiquei totalmente surpreso, porque o percentual de desempregados nessa faixa etária é infinitamente menor. Esse dado fala por si de que há alguma distorção nesse fundamental instrumento de proteção social. Acho que uma coisa é ajuste fiscal, outra é austeridade. Austeridade deve ser uma prática permanente de autoridades para reduzir distorções e zelar pela otimização do uso do dinheiro público. É uma atitude que qualquer executor de políticas públicas tem que perseguir. Eu incluo esses dois casos (pensões por morte e seguro-desemprego) como mero exercício de austeridade, e não de ajuste fiscal. Ajuste fiscal, para mim, é o corte de despesas clássicas e de investimentos. O Brasil ainda tem muito a avançar no plano da austeridade. Entendo que o impacto sobre a atividade econômica decorrente do episódio conhecido como Lava Jato é mais relevante do que o decorrente das medidas de ajuste fiscal defendidas pela equipe econômica.
Não concordo. São temas que já estavam em discussão no Ministério da Fazenda desde 2014. São medidas que têm como objetivo fortalecer o sistema de proteção social brasileiro, e não diminuí-lo. São ajustes fundamentais e incentivos corretos para que os benefícios sejam disponíveis a quem de fato precisa. O ministro Nelson Barbosa mencionou em uma conferência que 70% dos beneficiários do seguro-desemprego têm até 22 anos. Eu fiquei totalmente surpreso, porque o percentual de desempregados nessa faixa etária é infinitamente menor. Esse dado fala por si de que há alguma distorção nesse fundamental instrumento de proteção social. Acho que uma coisa é ajuste fiscal, outra é austeridade. Austeridade deve ser uma prática permanente de autoridades para reduzir distorções e zelar pela otimização do uso do dinheiro público. É uma atitude que qualquer executor de políticas públicas tem que perseguir. Eu incluo esses dois casos (pensões por morte e seguro-desemprego) como mero exercício de austeridade, e não de ajuste fiscal. Ajuste fiscal, para mim, é o corte de despesas clássicas e de investimentos. O Brasil ainda tem muito a avançar no plano da austeridade. Entendo que o impacto sobre a atividade econômica decorrente do episódio conhecido como Lava Jato é mais relevante do que o decorrente das medidas de ajuste fiscal defendidas pela equipe econômica.
A piora da expectativa do PIB este ano compromete a meta de superávit
primário (R$ 66,3 bilhões, ou 1,2% do PIB)?
Acredito que a equipe econômica vai cumprir a meta de primário de 1,2%
do PIB. Claro que, com o PIB em queda, será uma batalha morro acima. Mas o mais
relevante na percepção dos agentes econômicos é a nova atitude fiscal. Acho que
promover a consolidação fiscal, criando regras que possam ser duradouras, tem
muito mais valor do que cumprimento na mosca da meta de primário. Por exemplo,
se aprovássemos no Congresso uma regra para o crescimento do gasto público
(ainda que somente o discricionário) não superior ao crescimento do PIB
nominal, seria um sinal de amadurecimento institucional precioso, que teria um
notável impacto no comportamento das taxas de juros longas. Isso seria
essencial para fortalecermos o nosso mercado de capitais. Reduziríamos a
dependência das empresas de recursos subsidiados do BNDES, que passaria a atuar
em outras frentes.
O IPCA de março ficou em 1,32%, levando o indicador a uma taxa acumulada
de 8,13% no período de 12 meses, patamar mais elevado desde dezembro de 2003.
Isso reforça a sua previsão de que o centro da meta de 4,5% só será alcançado
pelo governo em 2017?
Temos que reconhecer que, em 2015, a inflação é solução e problema ao
mesmo tempo. Talvez mais solução do que problema. É solução porque acaba com o
represamento de preços administrados dos últimos anos; dá fôlego e ajuda no
fiscal, na medida em que o Tesouro não precisará capitalizar algumas empresas
estatais. Era inevitável que ocorresse uma forte correção de preços públicos. O
sinal dos preços é fundamental para orientar os agentes econômicos. O desafio é
a inércia que isso gera para frente, sobretudo porque se dá no mesmo momento em
que o real se depreciou fortemente. O que mais preocupa o Bacen é a evolução
das expectativas da inflação de 2016 e 2017. A taxa Selic, caso mantida no
patamar atual por um período suficientemente prolongado, garantiria a inflação
na meta central dentro de um horizonte bastante razoável que é o primeiro
semestre de 2017. Não acho que haveria perda reputacional se a taxa Selic fosse
mantida estável por um bom tempo depois de abril. A inflação anualizada vai
cair pela metade após esse primeiro trimestre. Com o nível tão deprimido da
atividade econômica, acredito que a Selic já tenha subido o suficiente para
acalmar as expectativas de inflação.
A desvalorização do real frente ao dólar, estimulada não só por
incertezas internas mas também pela perspectiva de alta dos juros americanos,
dificulta a redução da inflação?
Acho que, pelo fato de a economia brasileira estar crescendo muito
abaixo de seu crescimento potencial (cerca de 2,5 p.p. abaixo), o repasse da
taxa de câmbio (trabalho com o dólar a R$ 3,00 ao final do ano) para a inflação
é menor do que observamos em outros momentos. Quero dizer que o hiato do PIB
muito negativo ganhará de goleada da inércia inflacionária decorrente do câmbio
e do aumento forte de preços públicos, e a inflação gradualmente convergirá
para o centro da meta. Mas isso só ocorrerá no primeiro semestre de 2017. É por
essa e por outras razões que eu venho defendendo que, depois de 16 anos de
regime de metas, que seja abandonado o ano-calendário como referência para o
cumprimento da meta. Junto com uma mudança dessa, que seria para vigorar apenas
para 2017, defendo que, a cada 4 anos, a meta de inflação seja reduzida em 0,25
pp.
O sr. já declarou que se o Banco Central tivesse uma gestão
independente, os juros básicos não precisariam estar tão altos. Por que?
Já é de amplo conhecimento de todos de que faz muitos anos que eu
defendo a tese de que o Brasil precisa seguir as melhores práticas globais,
dentre as quais contar com um Banco Central formalmente independente. É claro
que é algo polêmico no Brasil, mas penso que não é bom que continuemos
incessantemente a politizar temas que já não deveriam ser objeto de tanto
embate ideológico. No caso da independência do Banco Central, por mais
controversos que sejam seus benefícios, é um modelo de sucesso global devido a
um ritual, a uma liturgia que transmite aos agentes econômicos a noção de
garantia da estabilidade monetária permanente. Defendi essa ideia no ano
passado na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos do Senado), quando os senadores
convidaram alguns economistas para apresentarem seus cenários. Acho que esse
tema já deveria estar para lá de consolidado no Brasil. Reduziria fortemente o
risco-país, nos afastaria do risco de rebaixamento e os juros futuros
despencariam. Evidentemente que não é a panaceia para todos os males, mas seria
um tijolinho a mais na construção de uma nova institucionalidade
macroeconômica, que teria amplos benefícios em termos de percepção de
risco-país para um país com um passado inflacionário tão condenável. Portanto,
ajudaria muito a reduzir as historicamente elevadas taxas de juros no Brasil.
Tem gente que ainda acha que o efeito seria o contrário. Discordo
categoricamente. Por outro lado, respeito muito a opinião dos que consideram
que o desafio maior neste momento é fiscal e que uma batalha agora a favor do
Banco Central independente não seja prioritária. De toda forma, sinto que o
Brasil precisa ingressar naquilo que eu gosto de chamar de “era da
exemplaridade”. Devemos perseguir o bom exemplo sempre, as boas práticas e as
histórias de sucesso que se observam mundo afora em vários níveis. O
enraizamento dessa ideia me parece o grande elemento que permitirá ao Brasil
crescer pelo menos em linha com aquilo que a conjuntura global permitir.
A retirada dos estímulos às empresas concedidos nos últimos anos não irá
agravar ainda mais o desemprego?
Evidente que sair da zona de conforto, expressão do ministro Levy no seu
discurso de posse, é algo doloroso e com alto custo político e até mesmo com
algum temporário agravamento do desemprego. Reconhecer erros também é difícil,
mas extremamente nobre. Tenho a percepção de que esteja em curso por parte do
governo um reconhecimento da necessidade de mudanças em relação a algumas
decisões tomadas nos últimos 4 anos. Mas o país precisa forjar consensos novos,
visando uma nação que não tolere relações econômicas arcaicas e que seja
socialmente ambiciosa. Assim, me parece incontornável a retirada gradual da
rede de proteção de alguns segmentos empresariais que dependem de subsídios,
incentivos e protecionismo. São vícios consolidados de décadas que precisam ser
avaliados na sua relação custo/benefício. O que for meritório, permanece. O que
não for, precisa se reavaliado com ponderação, serenidade e firmeza. Alguns
leem equivocadamente essa mensagem como retrocesso, mas na realidade o país
precisa construir as condições básicas e elementares para realmente planejar
seu futuro com objetividade e com recursos não-inflacionários. Quando o
ministro Joaquim Levy menciona que o Brasil precisa se reinventar, ele
possivelmente deve estar se referindo à necessidade de repensarmos muitos
hábitos enraizados que hoje não cumprem as mesmas funções que tiveram no
passado.
O que achou da declaração do ex-presidente do BC, Armínio Fraga, de que o ajuste que está sendo feito é insuficiente?
O que achou da declaração do ex-presidente do BC, Armínio Fraga, de que o ajuste que está sendo feito é insuficiente?
Acredito que o Armínio tem grande respeito e admiração pelo trabalho do
Joaquim Levy e sabe que tudo que estiver ao alcance da nova equipe econômica
será feito para melhorar o Brasil. Suspeito que a legítima ansiedade do Armínio
tem a ver com a pressa em reformas microeconômicas decisivas para o país voltar
a crescer mais rápido. Mas considero que o time do Ministério da Fazenda vá
focar esses temas na sequência das ações fiscais mais emergenciais. Cada coisa
no seu tempo. Acho que a equipe econômica será talentosa o suficiente para
vencer pelo argumento técnico as eventuais resistências políticas existentes em
relação a medidas micro.