Há uma
nova zona cocaleira na fronteira’, diz ex-superintendente da Polícia Federal no
AM
Há mais
de três décadas, Mauro Spósito acompanha o crescimento do tráfico de drogas no
Estado, principalmente o da cocaína pura, exportado pelos países vizinhos
Manaus (AM), 26 de Abril de
2015
JOANA QUEIROZ
"Essa região da Amazônia sempre foi uma 'porta de entrada'.
Só que, ao longo dos últimos dez anos, tivemos uma mudança significativa nesse
cenário", explica Spósito (Reprodução)
O avanço do narcotráfico na fronteira do
Amazonas com a Colômbia e o Peru vem ganhando dimensões preocupantes e tem
levando as autoridades, principalmente as da área de segurança pública, a
discutirem soluções para conter o avanço do tráfico na região, assim como sua
“rede de consequências”, que vão de crimes de homicídio, roubo e sequestro a
evasão de divisas e ainda lavagem de dinheiro.
Com mais de 30 anos de experiência
trabalhando em ações policiais para reprimir a ação de traficantes e a entrada
de drogas em território brasileiro, o ex-superintendente da Polícia Federal no
Amazonas Mauro Spósito revela que uma grande ação conjunta deve ser realizada este
ano com um objetivo, no mínimo, ousado.
Ele pretende reprimir em 80% a entrada de
drogas no Amazonas pela tríplice fronteira – Brasil, Peru e Colômbia. Nesta
entrevista, Espósito fala sobre o avanço do tráfico no Amazonas, relata ações
das quais participou e relembra narcotraficantes que prendeu ao longo das três
últimas décadas.
O que mudou nas ações de combate
e repressão às organizações criminosas ligadas ao tráfico nos últimos 30 anos?
Essa região da Amazônia sempre foi uma “porta
de entrada”, no Brasil, da cocaína produzida na Colômbia e no Peru. A fonte de
ingresso sempre foi a tríplice fronteira. Só que, ao longo dos últimos dez
anos, tivemos uma mudança significativa nesse cenário. Até o ano de 2005,
tínhamos a certeza de que a cocaína só era produzida na banda oriental da
Cordilheira dos Andes, em um processo em que as folhas eram secadas e
transformada em cloridrato de cocaína. E, só depois desse processo, a droga era
transportada. De 2005 para cá começamos a notar que os narcotraficantes começaram
a plantar coca em áreas de selva úmida. Descobrimos que haviam descoberto uma
nova tecnologia para a extração do alcalóide da folha de coca verde. A
realidade que temos hoje é que, na margem esquerda do rio Javari, no Peru, foi
instalada uma nova zona cocaleira, que não existia há dez anos. A produção está
a cada ano mais perto do mercado consumidor brasileiro.
Quais são as implicações que essa
nova forma de produção trouxeram para a segurança na área de fronteira?
O campesino, que era quem cultivava a coca e
vendia a folha para os laboratórios de refino, deixou de ser o mero cultivador
e passou a ser o narcotraficante. Ele planta, processa e vende a droga. As
plantações, que no passado eram concentradas na região do alto Tupumayo e no
Alfayaga, distantes mais de 400 quilômetros das nossas fronteiras, hoje estão a
pouco mais de 30 metros do Brasil, na margem do rio Javari. Há cultivo tanto na
Colômbia como no Peru.
Quantas toneladas de cocaína
entram no Brasil pela nossa fronteira?
A avaliação que eu tenho é que mais de 300
toneladas de cocaína entram no Brasil por ano, a maior parte por aqui. Para
produzir a cocaína, eles usam gasolina, cimento e ácido sulfúrico, e esse
material eles compram lá por um preço bem inferior ao que é comercializado
aqui.
Da quantidade que entra no País,
quanto fica em Manaus?
Não posso dizer. O que eu posso dizer é que,
pelos nossos cálculos, o que temos é uma situação totalmente esdrúxula aqui no
Amazonas, com uma evasão de divisas anual de U$ 300 milhões. Isso implica que
nós colocamos esses U$ 300 milhões para comprar a droga e, quando ela ingressa
em território amazônico, ela fornece ao mercado de U$ 1,2 bilhões de economia
subterrânea, porque não é taxada. O que eu posso dizer é que nós temos um consumo
absurdo de pasta base de cocaína.
Quais os caminhos que a droga
segue no Amazonas?
Só temos um caminho: os rios. O transporte
por aeronave implica em abastecimento e nós controlamos o abastecimento de
aeronave há muito tempo. Portanto, a grande estrada é o rio. O Solimões é o
principal.
A que o senhor atribui essas
grandes apreensões de droga que vêm acontecendo nos últimos meses?
Posso dizer que pode ser a chegada do Sérgio
Fontes na Secretaria de Segurança (ex-superintendente da Polícia Federal,
Sérgio Fontes assumiu a SSP-AM no início desde ano). Ele é um especialista
nessa área, teve a vida profissional toda voltada para isso. As grandes
apreensões podem trazer consequências. Eu tenho um posicionamento muito claro.
No crime não existe hierarquia, quem tem hierarquia é quem tem dinheiro e quem
tem dinheiro contrata pistoleiro.
Além da cocaína, a polícia tem
apreendido nos últimos meses grandes quantidades de skunk. Quem está produzindo
essa maconha?
É uma maconha praticamente hidropônica e, pela
facilidade de cultivo, está em declínio e precisa de um grande volume para
abastecer os fornecedores. Um exemplo, um quilo de maconha custa R$ 1 mil na
Colômbia, mas um quilo de maconha no Paraguai custa U$ 30. A Colômbia sempre
foi produtora da maconha, eles aproveitaram os caminhos do tráfico da maconha
para traficar cocaína, que é bem mais rentável. No ano passado apreendemos, no
Mato Grosso, uma carreta com 14 toneladas de maconha produzida no Paraguai.
A Polícia já identificou os
grandes traficantes que atuam no Amazonas?
Nós temos centenas de traficante. Eles atuam
da forma mais simples que você possa pensar. Eles têm representantes junto à
fronteira do Brasil com Peru e Colômbia, que intermediam a compra da droga e a
trazem para Manaus. Alguns grupos têm ponto de distribuição em Manaus e até em
outros Estados. Não precisa de muita coisa. Só de dinheiro. O que faz o crime é
o dinheiro. Tendo dinheiro ele contrata o pistoleiro, que é quem garante a
segurança. No crime não existe cartório de protesto. As dívidas do narcotráfico
são pagas com a vida.
Ao longo desses 30 anos de
atuação na repressão ao narcotráfico no Amazonas, quais os principais nomes que
passaram pela prisão?
Foram centenas de nomes, não dá para destacar
um ou outro. Foram muitos, mas lembro do Leonardo Dias Mendonça, do Antonio
Mota Graça, o “Curica”, que está foragido. São de famílias que se envolveram
com o crime. Javier Ardela Michue o “Javier”, era o grande fornecedor desses
que hoje dizem ser membros da Família do Norte “FDN”, como José Roberto
Fernandes, Ronairon, Gelson Carnaúba e João Branco.
O que pode ser feito para
reprimir a ação dos narcotraficantes aqui?
Enquanto nós não cortarmos a linha de suprimento
nós vamos ter problema. A única forma que existe é cortar essa linha de
suprimento direto em território brasileiro. Não tem outra forma. Toda guerra se
ganha assim. Enquanto o inimigo tiver suprimento ele tem munição para dar tiro.
Traficante perde 200 quilos de droga, mas ainda tem dinheiro para recuperar o
prejuízo que teve. Ações pontuais são boas, mas enquanto não se adotarem ações
permanentes de repressão, não vamos conseguir nada.
O que o senhor chama de ações
permanentes?
São ações para impedir a entrada das drogas
em território brasileiro. Nos próximos dois meses, por exemplo, estaremos
montando um trabalho que tem 11 instituições envolvidas e em que, 24 horas por
dia e 365 dias por ano, serão fiscalizadas todas as embarcações que adentram o
rio Solimões, uma média de 150 por dia. É disso que estou falando.
Perfil
Nome: Mauro
Spósito
Idade: 64 anos
Estudos: Formado em Direito e especializado em Sociologia Criminal pela Faculdade de Guarulhos
Experiência: Delegado de Polícia Federal, ex-superintendente da PF no Amazonas (1993-2000).
Idade: 64 anos
Estudos: Formado em Direito e especializado em Sociologia Criminal pela Faculdade de Guarulhos
Experiência: Delegado de Polícia Federal, ex-superintendente da PF no Amazonas (1993-2000).