As dúvidas sobre a
recuperação americana
Como o
endividamento externo americano é elevado, manter uma política fiscal agressiva
por um período longo poderia gerar um risco para a sustentabilidade financeira
(americana e global)
Rogerio Studartrogerio.studart@brasileconomico.com.br
Até semana passada o mercado dava como dada a recuperação da economia
americana. Apostava também que o banco central daqui (o Fed) poderia abandonar
em breve sua política de taxas de juros negativas. Na sexta-feira, saem os
dados sobre o mercado de trabalho, que decepcionam muito com uma criação de
novos postos inferior à metade do que esperavam os analistas. Voltam a pairar
as dúvidas. Por que as expectativas do mercado sobre a trajetória da economia
americana são tão voláteis? Quais as consequências disso?
Responder à primeira pergunta é relativamente simples: apesar dos anos
de discussão, ainda não há um consenso sobre as causas e consequências da crise
pela qual passa a economia americana — e como sair dela. Consideremos um
interessante debate em torno do conceito de “estagnação secular”. O debate
começou no início do ano passado, num discurso de Larry Summers, ex-secretario
de Tesouro de Clinton e ex-assessor econômico de Obama, em uma reunião do Fundo
Monetário Internacional (FMI). Para ele, o problema das transformações
tecnológicas e populacionais teria diminuído a propensão doméstica a investir.
Neste ambiente, seguia o argumento, mesmo mantendo-se por longos períodos taxas
de juros em torno de zero, a recuperação não poderia ser alcançada. A saída da
crise passaria por uma política de investimento público mais agressiva. Esta,
sim, ampliaria os níveis de demanda agregada, da utilização da capacidade
produtiva e do emprego. A partir daí, aumentaria o desejo de investir, gerando
novo ciclo longo de crescimento.
O ex-presidente do Fed Ben Bernanke, em um artigo recente, reafirmou o que já tinha dito anteriormente, na mesma reunião no FMI: nada tem contra a ideia de que uma política fiscal mais agressiva seria benéfica. Mas, para ele, o problema vai muito além das fronteiras da economia americana — passa por desequilíbrios globais, cuja origem estaria nas distorções geradas por políticas comerciais e cambiais nacionais — especialmente aquelas implementadas pelas grandes economias emergentes de acumular, a todo custo, vastas quantidades de reservas em dólares. Com isso, gerou-se um excesso de poupança global que deprime as taxas de juros em dólares. Para Bernanke, uma política fiscal expansionista teria um efeito limitado sobre a utilização da capacidade produtiva americana, já que uma grande parte do consumo adicional terminaria como maior demanda por importações. E como o endividamento externo americano é elevado, manter uma política fiscal agressiva por um período longo poderia gerar um risco para a sustentabilidade financeira (americana e global). A solução passaria por tentar persuadir os principais parceiros econômicos globais a eliminar restrições a fluxos de recursos e, especialmente, a oscilações das taxas de câmbio.
Paradoxalmente, ambos parecem ter muita razão. Ao que tudo indica, a recuperação da economia americana ainda é vulnerável, porque nada garante um crescimento sustentado da sua demanda agregada — e portanto do investimento. Internamente, o crescimento duradouro do consumo passa pela recuperação do salário, que não vem ocorrendo de forma significativa, mesmo com a recuperação do emprego. Por outro, manter as contas externas sob controle exige que um dólar mais forte não termine por anular os poucos ganhos recentes de competitividade. Em suma, a recuperação americana provavelmente continuará no fio da navalha. E o mercado continuará vivendo, e lucrando muito, com a enorme oscilação de expectativas e preços de ativos financeiros no mundo inteiro.
O ex-presidente do Fed Ben Bernanke, em um artigo recente, reafirmou o que já tinha dito anteriormente, na mesma reunião no FMI: nada tem contra a ideia de que uma política fiscal mais agressiva seria benéfica. Mas, para ele, o problema vai muito além das fronteiras da economia americana — passa por desequilíbrios globais, cuja origem estaria nas distorções geradas por políticas comerciais e cambiais nacionais — especialmente aquelas implementadas pelas grandes economias emergentes de acumular, a todo custo, vastas quantidades de reservas em dólares. Com isso, gerou-se um excesso de poupança global que deprime as taxas de juros em dólares. Para Bernanke, uma política fiscal expansionista teria um efeito limitado sobre a utilização da capacidade produtiva americana, já que uma grande parte do consumo adicional terminaria como maior demanda por importações. E como o endividamento externo americano é elevado, manter uma política fiscal agressiva por um período longo poderia gerar um risco para a sustentabilidade financeira (americana e global). A solução passaria por tentar persuadir os principais parceiros econômicos globais a eliminar restrições a fluxos de recursos e, especialmente, a oscilações das taxas de câmbio.
Paradoxalmente, ambos parecem ter muita razão. Ao que tudo indica, a recuperação da economia americana ainda é vulnerável, porque nada garante um crescimento sustentado da sua demanda agregada — e portanto do investimento. Internamente, o crescimento duradouro do consumo passa pela recuperação do salário, que não vem ocorrendo de forma significativa, mesmo com a recuperação do emprego. Por outro, manter as contas externas sob controle exige que um dólar mais forte não termine por anular os poucos ganhos recentes de competitividade. Em suma, a recuperação americana provavelmente continuará no fio da navalha. E o mercado continuará vivendo, e lucrando muito, com a enorme oscilação de expectativas e preços de ativos financeiros no mundo inteiro.