quinta-feira, 16 de abril de 2015


Cunha e as escadas da UERJ

Ampliar a terceirização é uma maneira enviesada de flexibilizar as relações trabalhistas no país. Mas há que ter o mínimo de bom senso

Octávio Costaocosta@brasileconomico.com.br

Desde segunda-feira, os elevadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) deixaram de funcionar, por falta de cabineiros. Como o prédio tem doze andares, várias aulas foram canceladas, porque nem todos os professores e alunos têm condição de enfrentar as escadas. Diante das reclamações dos estudantes, os responsáveis pela paralisação divulgaram uma nota com o seguinte título: “É ruim subir escada? Imagina trabalhar sem receber!”. Eles explicam que “alguns funcionários terceirizados estão há cinco meses sem receber salários e seus benefícios, como vale-transporte e ticket de alimentação, tendo que pagar o próprio deslocamento para ir trabalhar com a ameaça constante de demissão”. Os grevistas denunciam também que “muitos terceirizados foram demitidos por terem protestado e outros receberam férias coletivas forçadas”. Com tais argumentos, conquistaram a solidariedade dos universitários.

O quadro de precarização dos direitos trabalhistas e de falta de pagamento não é exclusividade da UERJ. As universidades federais têm enfrentado o mesmo problema, para vergonha e desesperança dos professores e do quadro de funcionários concursados. Recentemente, a Federal Fluminense (UFF), com sede em Niterói, passou dias de sufoco com a greve do pessoal da limpeza e da vigilância, todos terceirizados. Por causa de dívidas acumuladas e da liberação a contas de gotas de recursos pela União, a UFF debate-se com um déficit de R$ 73 milhões, principalmente em faturas vencidas com as empresas que prestam serviço nas chamadas atividades-meio. O lixo e a sujeira só não tomaram conta do campus porque houve quem trabalhasse mesmo sem salários. A situação só foi atenuada (com o pagamento de parte dos atrasados) quando os trabalhadores prejudicados fizeram piquete impedindo a entrada dos professores, o que levou à suspensão das aulas.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, certamente desconhece esta realidade. Além de defensor veemente do projeto de lei que amplia a terceirização do trabalho para toda e qualquer atividade, ele tem pressa em aprovar o texto-base. Só suspendeu a votação na noite de terça-feira quando a surpreendente união de PT e PSDB permitiu a aprovação de destaque que proíbe a contratação de terceirizados em atividades-fim de empresas públicas e de economia mista, como a Caixa Econômica, a Petrobras e o Banco do Brasil. Cunha disse que havia muita confusão no plenário e os parlamentares não sabiam exatamente o que estavam votando. “Concordei com o adiamento pela confusão que ficou no plenário com aquela votação e acho que 90% votou sem saber o que estavam votando. Eu quis dar tempo para que todos conhecessem melhor os destaques”, explicou.

Na verdade, os deputados sabem muito bem em quê estão votando. Trata-se de uma maneira enviesada de flexibilizar as relações trabalhistas no país. Mas há que ter o mínimo de bom-senso. Se hoje a mão de obra terceirizada tem salários menores e é a primeira a sofrer as consequências da crise econômica, ampliar sem limites a possibilidade de terceirização pode ser uma decisão equivocada e com efeitos perversos. Felizmente, qualquer que seja a decisão da Câmara, ainda vai passar pelo crivo do Senado e também pelo poder de veto da presidente Dilma Rousseff. Enquanto isso, Eduardo Cunha, que é deputado federal pelo Rio, poderia subir as escadas da UERJ.