sexta-feira, 23 de janeiro de 2015


A exibição do leão indiano

Modi vem vendendo o peixe de que, ao atrair empresas estrangeiras para o seu programa ‘Make in India’ (‘Produza na Índia’), transformará seu país em uma economia de US$ 20 tri

Florência Costaflorencia.costa@brasileconomico.com.br

As projeções para a economia mundial divulgadas pelo Fundo Monetário Internacional nesta semana foram acompanhadas com atenção especial na Índia. Uma das previsões feitas pelo FMI soou como música aos ouvidos indianos: a de que a taxa de crescimento do país ultrapassaria em um prazo de dois anos a taxa da vizinha China, que revelou seu menor ritmo de crescimento em 25 anos (7,4% em 2014). A economia indiana poderá crescer 6,3% e 6,5% respectivamente em 2015-16 e em 2016-17, segundo o Fundo. Se isto acontecer, a Índia se tornará a nação emergente que mais cresce no mundo. A previsão para a China em 2015 é de 6,8% e de 6,3% em 2016. O grande sonho de todo indiano é ser maior do que a rival China em qualquer quesito.

As projeções do FMI, embora ainda estejam longe do tipo de crescimento que a Índia exibiu entre 2003 e 2008, representam um aumento substancial com relação às taxa indianas em 2013 e no ano seguinte, quando a economia cresceu 5% e 5,8% respectivamente. Mas observando o cenário de forma menos entusiástica do que gostariam os indianos, a verdade é que essa perspectiva otimista é um reflexo da desaceleração do dragão e não um sinal de que o elefante indiano - para ficar nas metáforas preferidas de Nova Delhi e de Pequim - está correndo tão rápido a ponto de ultrapassar a fera chinesa.

Economias mais pobres precisam crescer mais. E a Índia, cuja economia, de US$ 2 trilhões, é cinco vezes menor do que a da China, não tem outra opção a não ser acelerar o ritmo de expansão. Fatores globais também favorecem a economia indiana. Por exemplo, a queda dos preços do petróleo vai estimular a economia ao liberar capital para outras áreas, inclusive para investimentos em infraestrutura e para os serviços públicos: a Índia, hoje a terceira economia da Ásia, é um grande importador de petróleo.

As expectativas estão altas com relação ao governo do primeiro-ministro Narendra Modi, no cargo há 8 meses, principalmente com relação aos seus planos de reforma, como destacou Gian Maria Milesi-Ferretti, vice-diretor do Departamento de Pesquisa do FMI, em entrevista ao jornal “The Times of India”. A sua ação mais notável até agora é a de dar passos concretos para incentivar a produção industrial transformando-a na maior porção do PIB do país, principalmente por meio da iniciativa “Make in India” (“Produza na Índia). Modi vem vendendo o peixe de que ao atrair empresas estrangeiras para o “Make in India”, em poucos anos transformará seu país em uma economia de US$ 20 trilhões.

Mas a notícia sobre a previsão do FMI, tão comemorada pela mídia indiana, foi recebida com certo tom de ironia pela mídia chinesa, refletindo a arraigada rivalidade dos dois gigantes asiáticos. Em um artigo intitulado “A Índia terá de encarar testes antes de ultrapassar a China”, o jornal oficial chinês “Global Times” constata que começam a ser ouvidas dentro da Índia vozes pedindo para que o país alcance ou mesmo ultrapasse a China. “A Índia é uma nação orgulhosa, competitiva e que não está disposta a ficar para trás. Por isso, está ávida para desafiar a China em todos os aspectos: do setor aeroespacial, às forças militares, passando pelo poderio econômico”, diz o artigo, baseado em uma entrevista feita com Wang Dehua, chefe do Instituto de Estudos do Sul da Ásia e da Ásia Central de Xangai.

Os clamores para que a Índia supere o desempenho chinês começaram a aumentar após Modi colocar em prática o “ambicioso programa Make in India”, observa o “Global Times”, sem esconder o tom rancoroso pela audácia da Índia de sonhar substituir a China como novo polo industrial do planeta. O cenário econômico da Índia “é promissor, mas não será fácil para o país tirar o título da China de gigante econômico da Ásia”, desafia o artigo.

Mas embora Nova Delhi esteja facilitando a vida dos empresários, procurando podar a famosa burocracia indiana, ainda há muitos obstáculos a serem enfrentados antes do grande salto indiano, avisou o “Global Times”. Em um sinal de que Pequim realmente ignora os benefícios de uma democracia, o periódico chinês cita a liberdade e a independência dos poderes na Índia como um obstáculo ao crescimento do país: “A democracia, da qual a nação é tão orgulhosa, transformou-se em um peso para o desenvolvimento. Por exemplo, construir uma estrada de ferro na Índia demora muito mais tempo do que na China”, ressaltou o jornal, referindo-se aos protestos dos movimentos sociais, que frequentemente entram na Justiça contra desapropriações de terra.

E, numa referência à amargura que restou da derrota indiana na guerra de 1962, o jornal reclama que “muitos indianos ainda exibem uma mentalidade de Guerra Fria com relação à China”, ignorando que uma maior aproximação de Nova Delhi com Pequim iria beneficiar a Índia. O incômodo chinês vai aumentar neste final de semana, quando Modi receberá com tapete vermelho o presidente dos EUA, Barack Obama, primeiro chefe de Estado americano a participar como convidado de honra da parada militar do Dia da República, no dia 26, em Nova Delhi. Mais do que isso, Modi vai aproveitar para exibir aos americanos e ao mundo o seu audacioso plano de industrialização, simbolizado por um leão que representa a força e o orgulho nacional indiano