'Apaguinho' é a conta da
falta de planejamento energético
Segundo o governo,
corte foi provocado por falha na transmissão,mas especialistas afirmam que
efeitos não seriam tão grandes se os reservatórios do país não estivessem tão
baixos
Nicola
Pamplonanicola.pamplona@brasileconomico.com.br
Rio - No dia em que a demanda instantânea de eletricidade bateu recorde
nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, a reserva de energia para
absorver eventuais picos de consumo no subsistema Sudeste Centro-Oeste era de
apenas 25% do recomendado pelo próprio Operador Nacional do Sistema Elétrico
(ONS). Para especialistas, a pouca margem de manobra está entre as causas do
corte seletivo de cargas que atingiu 10 estados e o Distrito Federal e é fruto
de erros no planejamento do setor elétrico nos últimos anos.
A chamada reserva girante é a capacidade adicional de geração que o
operador precisa ter disponível em tempo real para absorver eventuais
flutuações de demanda. Segundo especialistas, o ideal é que se situe em torno
de 5% da demanda esperada para determinado dia. Na segunda-feira, quando houve
o corte no fornecimento, a reserva recomendada para as regiões Sudeste e
Centro-Oeste, segundo o Boletim Diário da Operação do ONS, era de 1.529
megawatts (MW). No entanto, a reserva girante verificada foi de 369 MW.
O valor representa apenas 14,4% da reserva girante verificada um ano
antes, de 2.565 MW. Tamanha diferença é resultado da queda nos níveis dos
reservatórios das hidrelétricas, que perdem produtividade com a redução do
volume de água. Na segunda-feira, o nível dos reservatórios do Sudeste e do
Centro-Oeste estava em 17,9%, um dos piores da história. No mesmo dia, a
demanda instantânea nas mesmas regiões atingiu recorde histórico, de 51.596 MW.
O recorde foi estabelecido às 14h32, cerca de 20 minutos antes da determinação
às distribuidoras para cortar o fornecimento.
O governo diz que a decisão pelo corte foi tomada após falha no sistema
de transmissão, mas especialistas afirmam que os efeitos não seriam tão grandes
se os reservatórios não estivessem tão baixos. “Estávamos dependentes de
importação de energia do Norte na hora do pico. Se os reservatórios estivessem
cheios, não iríamos nem saber de falha na transmissão”, diz Roberto D’Araújo,
diretor do Instituto Ilumina. Na hora do pico de consumo, segundo informações
do ONS, quase 30% da energia consumida em Sudeste e Centro-Oeste era importada
de outras regiões.
D’Araújo e a consultoria PSR concordam que o nível atual dos
reservatórios não reflete apenas a falta de chuvas, mas foi agravado por
políticas operativas equivocadas para o setor elétrico. “O governo tenta dizer
que o problema é conjuntural, mas o sistema deveria estar preparado para
enfrentar essa conjuntura”, diz o diretor do Ilumina. A avaliação é que houve
demora no acionamento das térmicas em 2012, quando já havia sinais de perda de
capacidade dos reservatórios, como reflexo de uma política para conter
inflação.
No fim daquele ano, após a edição da MP 579, que reduziria em 20% o
preço da energia, o uso de térmicas disparou, passando de 10% para mais de 20%
da geração de energia no país em um período de seis meses. Para os
especialistas, um sinal de que a situação hídrica havia sido subdimensionada
antes da edição da medida provisória.
O problema, no momento, está localizado nas regiões Sudeste e
Centro-Oeste, uma vez que há sobra de capacidade no Norte, mas restrições no
sistema de transmissão para atender à demanda de pico. Para a PSR, o governo
deveria adotar medidas de racionalização do consumo, convocando a população a
economizar, para evitar a possibilidade de um racionamento de energia no
segundo semestre, caso as chuvas não caiam até o final do período chuvoso, que
termina em abril.
Até o dia 19 de janeiro, segundo o ONS, choveu apenas 43% da média
histórica nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. Pouca chuva e muito calor são
responsáveis por uma queda acumulada de 1,5% no nível dos reservatórios no mês.
Além de torcer para chover, o governo anunciou ontem um adicional de quase 1,5
mil MW em capacidade de geração no Sudeste e no Centro-Oeste — 867 MW de
térmicas da Petrobras paradas para manutenção e outro lote de 300 MW de Itaipu.