Ataques em Paris expõem
falhas de inteligência, diz especialista
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British Broadcasting Corporation 2015 Para Camille Grand, França terá de
repensar como monitorar radicais; segundo ela, solução passa por integrar
muçulmanos pacíficos à sociedade
Os
recentes ataques realizados por radicais islâmicos em Paris revelam que a
França precisa repensar suas operações de inteligência, diz Camille Grand,
especialista de defesa e diretora da Fundação de Pesquisa Estratégia de Paris.
Confira
abaixo a opinião da especialista sobre a sucessão de acontecimentos cujo
desfecho aconteceu nesta sexta-feira, com a morte de três suspeitos dos crimes.
A França
possui uma das maiores comunidades muçulmanas na Europa, e uma maioria
expressiva vive pacificamente em um país com o qual compartilha valores e
estilos de vida.
Uma
minoria estridente, no entanto, segue uma interpretação rigorosa do Islã. Mas
até entre esses muçulmanos conservadores, apenas uma fração é adepta da
violência.
Poucos
muçulmanos franceses vivem em comunidades "paralelas" com valores
totalmente diferentes ─ tal como em outros países europeus.
Por essa
perspectiva, as rígidas leis francesas que forçam o secularismo ─ por exemplo,
a proibição da burca em lugares públicos, ou o uso do véu em escolas públicas ─
ajudam a evitar o isolamento de muitas comunidades muçulmanas.
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Copyright British Broadcasting Corporation 2015 Lei que proíbe o uso do véu em
escolas públicas causou polêmica
A França
vive, no entanto, uma dura realidade: alguns muçulmanos vêm se radicalizando ─
nascidos ou não na França.
Alguns
pregadores radicais em poucas mesquitas oficiais ─ ou naquelas que vivem na
ilegalidade ─ talvez tenham um papel preponderante nisso. Mas o processo agora
parece estar ganhando força consideravelmente na Internet.
Há também
um problema de radicalização nas prisões do país, onde jovens criminosos às
vezes acabam se juntando a grupos islamistas.
Acontecimentos
no Oriente Médio também podem influenciar nos primeiros estágios da
radicalização, transformando indivíduos perdidos em militantes radicais, embora
seja difícil identificar um perfil único.
'Buracos'
A França
já lida com grupos radicais islâmicos por duas décadas, desde que o conflito na
Argélia respingou em Paris com os ataques a bomba em 1995-96. O país, portanto,
tem longa experiência em monitorar radicais.
O sistema
legal de contraterrorismo francês é robusto e permite investigações e
julgamentos em um primeiro momento. Os serviços de inteligência doméstica e
internacional colocaram uma prioridade clara em ameaças de combatentes
islamistas por vários anos.
Supõe-se
que vários atos terroristas foram frustrados nos últimos anos por autoridades
francesas.
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Copyright British Broadcasting Corporation 2015 Irmãos Chérif (à esq.) e Saïd
Kouachi são os principais suspeitos dos ataques à redação do semanário satírico
Charlie Hebdo
Mas os
ataques desta semana demonstraram, infelizmente, que há falhas nesse sistema de
monitoramento.
À
primeira vista, essas lacunas são inevitáveis, especialmente quando os serviços
de inteligência têm de monitorar um grupo consideravelmente grande de
indivíduos sem acabar transformando a França em um Estado policial.
Nesse
contexto, o fato de alguns dos terroristas que recentemente realizaram os
ataques no país terem um passado de extremismo no exterior, ou terem passado um
tempo na Síria ou no Iêmen, é um grande motivo de preocupação.
Militantes
franceses estão entre os maiores contingentes de combatentes estrangeiros na
Síria e no Iraque, e o país hoje enfrenta enormes desafios de segurança na
medida em que centenas deles retornam para casa.
Seria
extremamente difícil e custoso monitorar todos eles 24 horas por dia.
Sucessivos
esforços para impedir a movimentação das pessoas também criariam novos
problemas, com jihadistas em potencial permanecendo em solo francês.
Os ataques
desta semana ainda precisam ser analisados minuciosamente haja vista o passado
e a rede dos terroristas envolvidos – mas está claro que a França, assim como
toda democracia europeia, enfrenta um desafio de segurança de longo prazo.
Para
enfrentá-lo, os países vão precisar integrar a vasta maioria de muçulmanos
pacíficos ─ uma tarefa no mínimo difícil em uma era de tensões econômicas e
sociais.
Também
vão necessitar combater fortemente a minoria violenta, exigindo um novo
fortalecimento do arsenal legal de contraterrorismo francês e de suas
capacidades de inteligência.