sábado, 10 de janeiro de 2015


Ataques em Paris expõem falhas de inteligência, diz especialista

BBC BrasilBBC Brasil

Copyright British Broadcasting Corporation 2015 Para Camille Grand, França terá de repensar como monitorar radicais; segundo ela, solução passa por integrar muçulmanos pacíficos à sociedade

Os recentes ataques realizados por radicais islâmicos em Paris revelam que a França precisa repensar suas operações de inteligência, diz Camille Grand, especialista de defesa e diretora da Fundação de Pesquisa Estratégia de Paris.

Confira abaixo a opinião da especialista sobre a sucessão de acontecimentos cujo desfecho aconteceu nesta sexta-feira, com a morte de três suspeitos dos crimes.

 

A França possui uma das maiores comunidades muçulmanas na Europa, e uma maioria expressiva vive pacificamente em um país com o qual compartilha valores e estilos de vida.

Uma minoria estridente, no entanto, segue uma interpretação rigorosa do Islã. Mas até entre esses muçulmanos conservadores, apenas uma fração é adepta da violência.

Poucos muçulmanos franceses vivem em comunidades "paralelas" com valores totalmente diferentes ─ tal como em outros países europeus.

Por essa perspectiva, as rígidas leis francesas que forçam o secularismo ─ por exemplo, a proibição da burca em lugares públicos, ou o uso do véu em escolas públicas ─ ajudam a evitar o isolamento de muitas comunidades muçulmanas.

© Copyright British Broadcasting Corporation 2015 Lei que proíbe o uso do véu em escolas públicas causou polêmica

A França vive, no entanto, uma dura realidade: alguns muçulmanos vêm se radicalizando ─ nascidos ou não na França.

Alguns pregadores radicais em poucas mesquitas oficiais ─ ou naquelas que vivem na ilegalidade ─ talvez tenham um papel preponderante nisso. Mas o processo agora parece estar ganhando força consideravelmente na Internet.

Há também um problema de radicalização nas prisões do país, onde jovens criminosos às vezes acabam se juntando a grupos islamistas.

Acontecimentos no Oriente Médio também podem influenciar nos primeiros estágios da radicalização, transformando indivíduos perdidos em militantes radicais, embora seja difícil identificar um perfil único.

'Buracos'

A França já lida com grupos radicais islâmicos por duas décadas, desde que o conflito na Argélia respingou em Paris com os ataques a bomba em 1995-96. O país, portanto, tem longa experiência em monitorar radicais.

O sistema legal de contraterrorismo francês é robusto e permite investigações e julgamentos em um primeiro momento. Os serviços de inteligência doméstica e internacional colocaram uma prioridade clara em ameaças de combatentes islamistas por vários anos.

Supõe-se que vários atos terroristas foram frustrados nos últimos anos por autoridades francesas.

© Copyright British Broadcasting Corporation 2015 Irmãos Chérif (à esq.) e Saïd Kouachi são os principais suspeitos dos ataques à redação do semanário satírico Charlie Hebdo

Mas os ataques desta semana demonstraram, infelizmente, que há falhas nesse sistema de monitoramento.

À primeira vista, essas lacunas são inevitáveis, especialmente quando os serviços de inteligência têm de monitorar um grupo consideravelmente grande de indivíduos sem acabar transformando a França em um Estado policial.

Nesse contexto, o fato de alguns dos terroristas que recentemente realizaram os ataques no país terem um passado de extremismo no exterior, ou terem passado um tempo na Síria ou no Iêmen, é um grande motivo de preocupação.

Militantes franceses estão entre os maiores contingentes de combatentes estrangeiros na Síria e no Iraque, e o país hoje enfrenta enormes desafios de segurança na medida em que centenas deles retornam para casa.

Seria extremamente difícil e custoso monitorar todos eles 24 horas por dia.

Sucessivos esforços para impedir a movimentação das pessoas também criariam novos problemas, com jihadistas em potencial permanecendo em solo francês.

Os ataques desta semana ainda precisam ser analisados minuciosamente haja vista o passado e a rede dos terroristas envolvidos – mas está claro que a França, assim como toda democracia europeia, enfrenta um desafio de segurança de longo prazo.

Para enfrentá-lo, os países vão precisar integrar a vasta maioria de muçulmanos pacíficos ─ uma tarefa no mínimo difícil em uma era de tensões econômicas e sociais.

Também vão necessitar combater fortemente a minoria violenta, exigindo um novo fortalecimento do arsenal legal de contraterrorismo francês e de suas capacidades de inteligência.