Dilma Rousseff afaga
esquerda ao preferir Bolívia a fórum em Davos
Ao optar por
comparecer à posse de Evo, presidenta valoriza integração sul-americana e
descola sua imagem do ajuste fiscal
Mariana
Mainenti
mariana.mainenti@brasileconomico.com.br
Brasília - Ao preterir o Fórum Econômico Mundial em prol da posse do
presidente Evo Morales na Bolívia, a presidenta Dilma Rousseff fez uma opção
política. A decisão de estar hoje em La Paz, e não em Davos (Suíça) — onde se
deixou representar pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy — não se tratou de
considerar um compromisso mais importante do que o outro do ponto de vista
econômico. Por esse critério, maior importância deveria ser dada ao evento em
Davos, dada a necessidade de o Brasil retomar sua credibilidade junto aos
investidores internacionais, entre outras coisas para não perder o grau de
investimento das agências de rating. Por outro lado, após as rigorosas medidas
de ajuste fiscal anunciadas pela equipe econômica, Dilma precisava fazer as
pazes com a esquerda, que apoiou sua reeleição e o gesto diplomático de
valorização do governo boliviano, que agrada a esses setores, tem essa
conotação.
“Era uma escolha difícil. Se fosse a Davos, Dilma daria para o mundo uma
sinalização mais clara de que o segundo mandato terá diretrizes diferentes do
primeiro. Ao optar pela Bolívia, a presidenta valoriza a integração
sul-americana, o que é um princípio dos governos mais à esquerda”, avaliou a
professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp), Cristina Pecequilo. “Acho que não havia razão econômica ou de
política externa que tornasse a viagem ao país vizinho mais importante do que o
Fórum Econômico Mundial. No atual momento de necessidade de retomada da
credibilidade pelo Brasil, o próprio Evo Morales entenderia se ela fosse a
Davos”.
Ao enviar Levy em seu lugar, Dilma buscou associar à imagem do ministro
da Fazenda o ajuste fiscal que está sendo realizado no país. “Ela está optando
por uma postura mais discreta para evitar críticas da esquerda”, afirmou um
economista do mercado, que preferiu não se identificar. “Dadas as propostas de
campanha, é provável que isso aconteça outras vezes. Haverá uma ambiguidade do
discurso. É o preço a ser pago pela campanha eleitoral, que teve um viés mais à
esquerda”, opinou.
Ao mesmo tempo, a escolha de Dilma tornou o cenário em Davos mais
desafiador para Levy, que ficou, sozinho, com a tarefa de convencer os
investidores de que o governo está de fato colocando a casa em ordem.
Contudo, essa estratégia também teria um risco para Dilma. “A tentativa
de Dilma é de se distanciar do ajuste, colando-o à imagem de Levy. Mas o ajuste
é dela. E o risco é que o mercado se pergunte: por quanto tempo vai durar o
ajuste? Sem dúvida, um sinal mais claro dela em Davos seria importante”, disse
o economista.
Na opinião dos analistas, contudo, isso não significa que a Bolívia
também não tenha importância para o Brasil. “Especialmente na questão
energética, em um momento de crise na Petrobras, a Bolívia pode ser um parceiro
estratégico importante. Além disso, a aproximação com o país vizinho é uma
forma de mostrar que nos importamos com a América Latina e que estamos voltando
ao jogo do ponto de vista comercial e político. A nossa ausência nos últimos
anos, com uma política externa mais tímida, já fez com que perdessemos muito
espaço para a China”, lembrou Pecequilo.
Cerca de 40% das exportações bolivianas são destinadas ao Brasil,
especialmente, por conta da venda de gás natural. O intercâmbio comercial
bilateral passou de US$ 818 milhões em 2002 a US$ 4,9 bilhões em 2012. E o país
tem se destacado como um destino importante para o Brasil. A presença econômica
brasileira no país vizinho, em termos de superávit comercial, investimentos e
remessas de imigrantes alcança US$ 1,6 bilhão anuais.