quarta-feira, 21 de janeiro de 2015


Dilma Rousseff afaga esquerda ao preferir Bolívia a fórum em Davos

Ao optar por comparecer à posse de Evo, presidenta valoriza integração sul-americana e descola sua imagem do ajuste fiscal

Mariana Mainenti mariana.mainenti@brasileconomico.com.br

Brasília - Ao preterir o Fórum Econômico Mundial em prol da posse do presidente Evo Morales na Bolívia, a presidenta Dilma Rousseff fez uma opção política. A decisão de estar hoje em La Paz, e não em Davos (Suíça) — onde se deixou representar pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy — não se tratou de considerar um compromisso mais importante do que o outro do ponto de vista econômico. Por esse critério, maior importância deveria ser dada ao evento em Davos, dada a necessidade de o Brasil retomar sua credibilidade junto aos investidores internacionais, entre outras coisas para não perder o grau de investimento das agências de rating. Por outro lado, após as rigorosas medidas de ajuste fiscal anunciadas pela equipe econômica, Dilma precisava fazer as pazes com a esquerda, que apoiou sua reeleição e o gesto diplomático de valorização do governo boliviano, que agrada a esses setores, tem essa conotação.

“Era uma escolha difícil. Se fosse a Davos, Dilma daria para o mundo uma sinalização mais clara de que o segundo mandato terá diretrizes diferentes do primeiro. Ao optar pela Bolívia, a presidenta valoriza a integração sul-americana, o que é um princípio dos governos mais à esquerda”, avaliou a professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Cristina Pecequilo. “Acho que não havia razão econômica ou de política externa que tornasse a viagem ao país vizinho mais importante do que o Fórum Econômico Mundial. No atual momento de necessidade de retomada da credibilidade pelo Brasil, o próprio Evo Morales entenderia se ela fosse a Davos”.

Ao enviar Levy em seu lugar, Dilma buscou associar à imagem do ministro da Fazenda o ajuste fiscal que está sendo realizado no país. “Ela está optando por uma postura mais discreta para evitar críticas da esquerda”, afirmou um economista do mercado, que preferiu não se identificar. “Dadas as propostas de campanha, é provável que isso aconteça outras vezes. Haverá uma ambiguidade do discurso. É o preço a ser pago pela campanha eleitoral, que teve um viés mais à esquerda”, opinou.

Ao mesmo tempo, a escolha de Dilma tornou o cenário em Davos mais desafiador para Levy, que ficou, sozinho, com a tarefa de convencer os investidores de que o governo está de fato colocando a casa em ordem.

Contudo, essa estratégia também teria um risco para Dilma. “A tentativa de Dilma é de se distanciar do ajuste, colando-o à imagem de Levy. Mas o ajuste é dela. E o risco é que o mercado se pergunte: por quanto tempo vai durar o ajuste? Sem dúvida, um sinal mais claro dela em Davos seria importante”, disse o economista.

Na opinião dos analistas, contudo, isso não significa que a Bolívia também não tenha importância para o Brasil. “Especialmente na questão energética, em um momento de crise na Petrobras, a Bolívia pode ser um parceiro estratégico importante. Além disso, a aproximação com o país vizinho é uma forma de mostrar que nos importamos com a América Latina e que estamos voltando ao jogo do ponto de vista comercial e político. A nossa ausência nos últimos anos, com uma política externa mais tímida, já fez com que perdessemos muito espaço para a China”, lembrou Pecequilo.

Cerca de 40% das exportações bolivianas são destinadas ao Brasil, especialmente, por conta da venda de gás natural. O intercâmbio comercial bilateral passou de US$ 818 milhões em 2002 a US$ 4,9 bilhões em 2012. E o país tem se destacado como um destino importante para o Brasil. A presença econômica brasileira no país vizinho, em termos de superávit comercial, investimentos e remessas de imigrantes alcança US$ 1,6 bilhão anuais.