Nove meses para arrumar a
casa
A equipe econômica
ganhou uma folga para colocar as contas públicas no rumo certo antes do
rearranjo das carteiras globais que poderá empurrar o dólar para o temido
patamar de R$ 3,00
Luiz
Sérgio Guimarães luiz.sergio@brasileconomico.com.br
O dólar caiu pesadamente na sexta-feira. Fechou cotado a R$ 2,6390, em
desvalorização de 1,25% comparativamente à véspera, quando já tinha tombado
1,15%, e de 3,39% frente ao ápice intraday do ano, de R$ 2,7315, alcançado no
dia 5. A principal razão para a queda vem, como sempre, de fora: os
investidores globais estão se convencendo de que o Federal Reserve (Fed) não
terá justificativas para iniciar o movimento de alta da taxa básica americana
senão mais para o fim do ano, quiçá em 2016. A recuperação econômica dos EUA
parece consistente, mas não há nenhum indício de que a retomada esteja gerando
inflação. Se o Fed agir precipitadamente, subindo o juro básico mesmo sem
necessidade visível no horizonte, empurra o mundo da beirada onde já se
encontra direto para o abismo recessivo.
Não há milagre: mesmo que o Fed decida avançar a taxa a um ritmo
paquidérmico de 0,15 ponto por reunião do seu Comitê Federal de Mercado Aberto
(Fomc) a partir de 17 de junho – a data do último encontro do primeiro
semestre, especial por diferenciar-se dos demais pela divulgação de projeções
econômicas e por pronunciamento da chair Janet Yellen —, os portfólios globais
passarão a render menos, os demais países terão de ajustar as suas políticas
monetárias para competir com a americana mesmo em meio à estagnação e as moedas
dos emergentes irão se desvalorizar, reduzindo os ganhos dos capitais
financeiros. O Fed irá desencadear uma crise financeira global que,
inevitavelmente, acabará respingando na economia interna dos EUA. Sem ameaça real
de inflação, Yellen e o Fomc não embarcarão nessa aventura.
Como é o dado da inflação nos EUA o único capaz de alterar os planos
ultracomedidos do Fed, esta terceira semana do mês é particularmente relevante
para os mercados financeiros. Serão divulgados sucessivamente três dos mais
importantes índices inflacionários relativos a dezembro. Na quarta-feira, sai o
índice de preços de importação, no dia seguinte será divulgado o PPI (o índice
de preços ao produtor, a inflação no atacado) e, fechando a semana, o CPI (o de
preços ao consumidor, o IPCA deles). Nos últimos 12 meses terminados em
novembro, o PPI acumulou alta de 1,4%. E o CPI, de 1,3%. Ambos não representam
ameaça à meta de inflação de 2% do Fed. E há dirigentes da autoridade que
defendem uma reação apenas depois do rompimento da meta por ambos, não antes.
A explicação para o sono profundo do “Smaug” inflacionário não se resume
aos baixíssimos preços de energia. Os custos de produção das indústrias estão
todos no chão: energia, importação, financeiro e salários. O pulo do gato está
sobretudo neste último item. O mercado de trabalho parece exuberante. Na
sexta-feira, o relatório oficial do governo, conhecido como “payroll”, mostrou
a criação de 252 mil novos postos de trabalho em dezembro, um número bem
superior à projeção de 240 mil formulada pelos analistas. Também erraram em
relação à taxa de desemprego. De novo, estavam menos otimistas do que a
realidade. O desemprego caiu de 5,8% para 5,6%, quando previam redução para
5,7%. Apesar disso tudo, o rendimento médio por hora trabalhada caiu 0,2%, ou
seja, reduziu-se lá o custo unitário do trabalho, ainda o maior pesadelo dos
empresários brasileiros. Ou seja, não há pressão de custos para repassar aos
preços finais e não há capacidade aquisitiva para sancioná-los. Se quiser subir
o juro de qualquer maneira, o Fomc vai ter de esperar a reunião de 17 de
setembro, outra com características especiais.
A equipe econômica brasileira ganhou uma folga de pelo menos nove meses
para colocar as contas públicas no rumo certo antes do movimento de rearranjo
das carteiras globais que poderá empurrar o dólar para o temido patamar de R$
3. Do ponto de vista do Banco Central, seria uma bênção dos céus se o dólar
retornasse ao patamar entre R$ 2,50 e R$ 2,55 que vigorou na maior parte do
último trimestre de 2014. Parte dos seus problemas — enunciada nos seus textos
oficiais como “o realinhamento dos preços domésticos em relação aos preços
internacionais” — estaria temporariamente resolvida. Nessa hipótese, poderia
afrouxar um pouco as rédeas da política monetária, suavizando o efeito
recessivo do ajustamento fiscal comandado pelo ministro Joaquim Levy.
Ajuste fiscal recessivo? Há uma enorme boa vontade do mercado com Levy e
equipe. Mas um contingenciamento de despesas de custeio, mesmo um de R$ 1,9
bilhão ao mês, ainda não é o ajuste capaz de sanear as finanças públicas e
forjar um superávit primário equivalente a 1,2% do PIB. Levy e equipe precisam
fazer mais: cortar investimentos, elevar impostos, diminuir as desonerações tributárias
e o crédito subsidiado. Vale dizer: haverá menos dinheiro circulando na
economia em 2015, pois a irrigação proveniente das torneiras públicas passará
por filtros restritivos e o governo irá retirar recursos hoje de posse da
sociedade. Esta ficará mais pobre e o governo, menos endividado. Essa
responsabilidade fiscal que distribuiu prejuízos conseguirá resgatar a
confiança dos empresários a ponto de voltarem a investir produtivamente?
Ninguém tem essa resposta, nem o mais fiel dos sacerdotes neoliberais.
O comportamento do dólar é a grande variável incógnita do quebra-cabeça
inflacionário de 2015. Se acomodar-se abaixo de R$ 2,80 ao longo do ano, a
contração fiscal tornará impraticável o rompimento do teto da banda
inflacionária. Os juros futuros não têm como se sustentar em patamares
excessivamente premiados. Os dois contratos curtos de maior liquidez, para os
janeiros de 2016 e 2017, conheceram na sexta-feira a sua sétima baixa
consecutiva. O primeiro, de 12,73% para 12,68%, e o segundo, de 12,59% para
12,47%. O contrato longo colado nos juros americanos, para janeiro de 2021,
finalmente cedeu. Ele vinha desdenhando da baixa sustentada pelos outros dois.
Como a taxa do título de 10 anos do Tesouro americano caiu de novo abaixo de
2%, o contrato tombou de uma vez de 12,21% para 12,05%. A curva futura de juros
exibe agora um desenho acentuadamente negativo – uma boa notícia para Fazenda,
Tesouro e BC.