segunda-feira, 12 de janeiro de 2015


Nove meses para arrumar a casa

A equipe econômica ganhou uma folga para colocar as contas públicas no rumo certo antes do rearranjo das carteiras globais que poderá empurrar o dólar para o temido patamar de R$ 3,00

Luiz Sérgio Guimarães luiz.sergio@brasileconomico.com.br

O dólar caiu pesadamente na sexta-feira. Fechou cotado a R$ 2,6390, em desvalorização de 1,25% comparativamente à véspera, quando já tinha tombado 1,15%, e de 3,39% frente ao ápice intraday do ano, de R$ 2,7315, alcançado no dia 5. A principal razão para a queda vem, como sempre, de fora: os investidores globais estão se convencendo de que o Federal Reserve (Fed) não terá justificativas para iniciar o movimento de alta da taxa básica americana senão mais para o fim do ano, quiçá em 2016. A recuperação econômica dos EUA parece consistente, mas não há nenhum indício de que a retomada esteja gerando inflação. Se o Fed agir precipitadamente, subindo o juro básico mesmo sem necessidade visível no horizonte, empurra o mundo da beirada onde já se encontra direto para o abismo recessivo.

Não há milagre: mesmo que o Fed decida avançar a taxa a um ritmo paquidérmico de 0,15 ponto por reunião do seu Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc) a partir de 17 de junho – a data do último encontro do primeiro semestre, especial por diferenciar-se dos demais pela divulgação de projeções econômicas e por pronunciamento da chair Janet Yellen —, os portfólios globais passarão a render menos, os demais países terão de ajustar as suas políticas monetárias para competir com a americana mesmo em meio à estagnação e as moedas dos emergentes irão se desvalorizar, reduzindo os ganhos dos capitais financeiros. O Fed irá desencadear uma crise financeira global que, inevitavelmente, acabará respingando na economia interna dos EUA. Sem ameaça real de inflação, Yellen e o Fomc não embarcarão nessa aventura.

Como é o dado da inflação nos EUA o único capaz de alterar os planos ultracomedidos do Fed, esta terceira semana do mês é particularmente relevante para os mercados financeiros. Serão divulgados sucessivamente três dos mais importantes índices inflacionários relativos a dezembro. Na quarta-feira, sai o índice de preços de importação, no dia seguinte será divulgado o PPI (o índice de preços ao produtor, a inflação no atacado) e, fechando a semana, o CPI (o de preços ao consumidor, o IPCA deles). Nos últimos 12 meses terminados em novembro, o PPI acumulou alta de 1,4%. E o CPI, de 1,3%. Ambos não representam ameaça à meta de inflação de 2% do Fed. E há dirigentes da autoridade que defendem uma reação apenas depois do rompimento da meta por ambos, não antes.

A explicação para o sono profundo do “Smaug” inflacionário não se resume aos baixíssimos preços de energia. Os custos de produção das indústrias estão todos no chão: energia, importação, financeiro e salários. O pulo do gato está sobretudo neste último item. O mercado de trabalho parece exuberante. Na sexta-feira, o relatório oficial do governo, conhecido como “payroll”, mostrou a criação de 252 mil novos postos de trabalho em dezembro, um número bem superior à projeção de 240 mil formulada pelos analistas. Também erraram em relação à taxa de desemprego. De novo, estavam menos otimistas do que a realidade. O desemprego caiu de 5,8% para 5,6%, quando previam redução para 5,7%. Apesar disso tudo, o rendimento médio por hora trabalhada caiu 0,2%, ou seja, reduziu-se lá o custo unitário do trabalho, ainda o maior pesadelo dos empresários brasileiros. Ou seja, não há pressão de custos para repassar aos preços finais e não há capacidade aquisitiva para sancioná-los. Se quiser subir o juro de qualquer maneira, o Fomc vai ter de esperar a reunião de 17 de setembro, outra com características especiais.

A equipe econômica brasileira ganhou uma folga de pelo menos nove meses para colocar as contas públicas no rumo certo antes do movimento de rearranjo das carteiras globais que poderá empurrar o dólar para o temido patamar de R$ 3. Do ponto de vista do Banco Central, seria uma bênção dos céus se o dólar retornasse ao patamar entre R$ 2,50 e R$ 2,55 que vigorou na maior parte do último trimestre de 2014. Parte dos seus problemas — enunciada nos seus textos oficiais como “o realinhamento dos preços domésticos em relação aos preços internacionais” — estaria temporariamente resolvida. Nessa hipótese, poderia afrouxar um pouco as rédeas da política monetária, suavizando o efeito recessivo do ajustamento fiscal comandado pelo ministro Joaquim Levy.

Ajuste fiscal recessivo? Há uma enorme boa vontade do mercado com Levy e equipe. Mas um contingenciamento de despesas de custeio, mesmo um de R$ 1,9 bilhão ao mês, ainda não é o ajuste capaz de sanear as finanças públicas e forjar um superávit primário equivalente a 1,2% do PIB. Levy e equipe precisam fazer mais: cortar investimentos, elevar impostos, diminuir as desonerações tributárias e o crédito subsidiado. Vale dizer: haverá menos dinheiro circulando na economia em 2015, pois a irrigação proveniente das torneiras públicas passará por filtros restritivos e o governo irá retirar recursos hoje de posse da sociedade. Esta ficará mais pobre e o governo, menos endividado. Essa responsabilidade fiscal que distribuiu prejuízos conseguirá resgatar a confiança dos empresários a ponto de voltarem a investir produtivamente? Ninguém tem essa resposta, nem o mais fiel dos sacerdotes neoliberais.

O comportamento do dólar é a grande variável incógnita do quebra-cabeça inflacionário de 2015. Se acomodar-se abaixo de R$ 2,80 ao longo do ano, a contração fiscal tornará impraticável o rompimento do teto da banda inflacionária. Os juros futuros não têm como se sustentar em patamares excessivamente premiados. Os dois contratos curtos de maior liquidez, para os janeiros de 2016 e 2017, conheceram na sexta-feira a sua sétima baixa consecutiva. O primeiro, de 12,73% para 12,68%, e o segundo, de 12,59% para 12,47%. O contrato longo colado nos juros americanos, para janeiro de 2021, finalmente cedeu. Ele vinha desdenhando da baixa sustentada pelos outros dois. Como a taxa do título de 10 anos do Tesouro americano caiu de novo abaixo de 2%, o contrato tombou de uma vez de 12,21% para 12,05%. A curva futura de juros exibe agora um desenho acentuadamente negativo – uma boa notícia para Fazenda, Tesouro e BC.