segunda-feira, 19 de janeiro de 2015


Codinome Merlin

O réu é o ex-agente Jeffrey Sterling. Mas quem está na berlinda de fato é a CIA

Heloísa Villela heloisa.vilela@brasileconomico.com.br

O caso é antigo, já tem 13 anos. Mas é uma história de deixar qualquer escritor ou diretor de cinema com água na boca. Daquelas que se virar filme o público vai sair comentando: "só no cinema! ". Mas é com o pano de fundo de uma trama mirabolante que a Central de Inteligência Americana está tentando se defender em um tribunal da Virgínia, apesar de não ter sido acusada de nada. O julgamento começou na última quarta-feira e já contou com o depoimento de gente conhecida, como a ex-Secretária de Estado do governo Bush Condoleezza Rice.

O caso todo gira em torno da chamada Operação Merlin - como se batizar um programa da CIA com o nome do mago legendário da corte do rei Artur fosse restaurar o prestígio da agência em um passe de mágica... Merlin, no caso da CIA, era o codinome do agente russo encarregado de fazer contato com representantes do programa nuclear iraniano para tentar vender a eles planos de construção de uma peça chave na fabricação de uma bomba atômica. Segundo o depoimento de um agente da CIA na semana passada, a tal peça é considerada a "joia da coroa" na fabricação da arma nuclear.

Como é que é? A mesma turma que fabricou as provas falsas de que Saddam Hussein estava fabricando armas de destruição em massa no Iraque tentou, um ano depois, vender segredos nucleares aos aiatolás iranianos? Exatamente. Segredos de fabricação escritos em inglês, que seriam vendidos por um russo. Muito convincente... Mas nada disso está em questão no tribunal. Esse é apenas o cenário da história. A CIA tentou e não conseguiu porque fez uma sequência de trapalhadas. A ideia era vender planos defeituosos. Porém, os cientistas da agência, que não sabiam de nada, conseguiram identificar e corrigir as falhas em apenas cinco meses. Ou seja: se os planos fossem mesmo vendidos ao Irã, o país teria nas mãos um segredo fundamental no processo de fabricação da bomba atômica. Assim, os EUA poderiam, então, provar que o objetivo do programa nuclear dos aiatolás era, afinal, bélico e não pacífico como eles sempre dizem.

Belo plano hein?! Mas vazou. Entra em cena o réu do julgamento na Virgínia. Jeffrey Sterling era agente da CIA e trabalhava na Operação Merlin. Ele ficou apavorado com as possíveis consequências do plano desastroso e seguiu o caminho oficial prevista na lei para denunciar o que acreditava ser um crime. Não fossem apenas as consequências políticas e bélicas, ele sabia que vender qualquer tipo de ajuda nessa área ao Irã é proibido nos Estados Unidos. Sterling recorreu ao Comitê de Inteligência do Senado que é quem fiscaliza a CIA. Ali as denúncias podem ser feitas em segredo. Os senadores não podem torná-las públicas. É a única maneira de denunciar irregularidades no trabalho do serviço secreto sem, segundo a lei, "trair a pátria".

Acontece que o jornalista James Risen, do New York Times, ficou sabendo da história toda e preparou uma grande reportagem. Quando ele pediu explicações do governo, para publicar na dita reportagem, todos os alarmes dispararam na Casa Branca. No tribunal, agora, Condoleezza Rice contou que foi instruída pelo presidente George Bush a ligar para a direção do Times e dar um jeito de impedir a denúncia. Alegando defesa da segurança nacional, ela conseguiu dobrar a direção do periódico. A história só veio a público três anos depois, quando James Risen escreveu o livro "State of War" (Estado de Guerra). Já que o jornalismo não faz o papel que lhe cabe, Risen encontrou outro caminho para contar como a CIA tentou plantar provas para incriminar o suposto inimigo. É por isso que fica difícil acreditar quando eles "encontram" computadores comprometedores, cheios de informações preciosas, documentos enterrados em quintais e assim por diante, como já aconteceu no Irã.

Mas vamos à pergunta em questão no tribunal da Virgínia: quem passou as informações para o jornalista? Risen foi ameaçado de prisão por se recusar a revelar a fonte de informação do livro. Na verdade, ele diz que foram várias. A promotoria, ou seja, o departamento de justiça do governo Obama, decidiu que ele não será obrigado a testemunhar no processo. Se fosse e se recusasse a contar a origem das informações, ele seria preso. Mas a justiça tenta provar que Jeffrey foi o grande responsável. Ou melhor, o "irresponsável" que denunciou o grande plano da CIA e por isso deve passar o resto da vida na cadeia. Até agora a promotoria não apresentou nenhuma prova de que Jeffrey contou tudo ao jornalista. Como ele não é a única pessoa que poderia ter passado informações a Risen, não vai ser fácil incriminar Jeffrey. O ex-agente era um dos únicos afro-americanos da organização e antes da denúncia, entrou com um processo de discriminação contra a CIA. Agora é acusado de ter investido contra o antigo empregador porque nunca foi compensado no processo de discriminação.

O melhor de tudo isso é que para tentar responsabilizar Jeffrey e mandar o ex-agente para a cadeia, a CIA está sendo obrigada a se expor. A contar detalhes das trapalhadas que planeja e executa. Espantoso é o número de assentos vazios no tribunal. O desinteresse flagrante da mídia americana. Mas é fácil imaginar o filme de intriga e espionagem nas telas. O script está prontinho. E como sempre, a ficção vai fazer um tremendo sucesso. Mas a realidade, por enquanto, tem atraído um público minúsculo.