Codinome Merlin
O réu é o ex-agente
Jeffrey Sterling. Mas quem está na berlinda de fato é a CIA
Heloísa
Villela heloisa.vilela@brasileconomico.com.br
O caso é antigo, já tem 13 anos. Mas é uma história de deixar qualquer
escritor ou diretor de cinema com água na boca. Daquelas que se virar filme o
público vai sair comentando: "só no cinema! ". Mas é com o pano de
fundo de uma trama mirabolante que a Central de Inteligência Americana está
tentando se defender em um tribunal da Virgínia, apesar de não ter sido acusada
de nada. O julgamento começou na última quarta-feira e já contou com o
depoimento de gente conhecida, como a ex-Secretária de Estado do governo Bush
Condoleezza Rice.
O caso todo gira em torno da chamada Operação Merlin - como se batizar
um programa da CIA com o nome do mago legendário da corte do rei Artur fosse
restaurar o prestígio da agência em um passe de mágica... Merlin, no caso da
CIA, era o codinome do agente russo encarregado de fazer contato com
representantes do programa nuclear iraniano para tentar vender a eles planos de
construção de uma peça chave na fabricação de uma bomba atômica. Segundo o
depoimento de um agente da CIA na semana passada, a tal peça é considerada a
"joia da coroa" na fabricação da arma nuclear.
Como é que é? A mesma turma que fabricou as provas falsas de que Saddam
Hussein estava fabricando armas de destruição em massa no Iraque tentou, um ano
depois, vender segredos nucleares aos aiatolás iranianos? Exatamente. Segredos
de fabricação escritos em inglês, que seriam vendidos por um russo. Muito
convincente... Mas nada disso está em questão no tribunal. Esse é apenas o
cenário da história. A CIA tentou e não conseguiu porque fez uma sequência de
trapalhadas. A ideia era vender planos defeituosos. Porém, os cientistas da
agência, que não sabiam de nada, conseguiram identificar e corrigir as falhas
em apenas cinco meses. Ou seja: se os planos fossem mesmo vendidos ao Irã, o
país teria nas mãos um segredo fundamental no processo de fabricação da bomba
atômica. Assim, os EUA poderiam, então, provar que o objetivo do programa
nuclear dos aiatolás era, afinal, bélico e não pacífico como eles sempre dizem.
Belo plano hein?! Mas vazou. Entra em cena o réu do julgamento na
Virgínia. Jeffrey Sterling era agente da CIA e trabalhava na Operação Merlin.
Ele ficou apavorado com as possíveis consequências do plano desastroso e seguiu
o caminho oficial prevista na lei para denunciar o que acreditava ser um crime.
Não fossem apenas as consequências políticas e bélicas, ele sabia que vender
qualquer tipo de ajuda nessa área ao Irã é proibido nos Estados Unidos.
Sterling recorreu ao Comitê de Inteligência do Senado que é quem fiscaliza a
CIA. Ali as denúncias podem ser feitas em segredo. Os senadores não podem
torná-las públicas. É a única maneira de denunciar irregularidades no trabalho
do serviço secreto sem, segundo a lei, "trair a pátria".
Acontece que o jornalista James Risen, do New York Times, ficou sabendo
da história toda e preparou uma grande reportagem. Quando ele pediu explicações
do governo, para publicar na dita reportagem, todos os alarmes dispararam na
Casa Branca. No tribunal, agora, Condoleezza Rice contou que foi instruída pelo
presidente George Bush a ligar para a direção do Times e dar um jeito de
impedir a denúncia. Alegando defesa da segurança nacional, ela conseguiu dobrar
a direção do periódico. A história só veio a público três anos depois, quando
James Risen escreveu o livro "State of War" (Estado de Guerra). Já
que o jornalismo não faz o papel que lhe cabe, Risen encontrou outro caminho
para contar como a CIA tentou plantar provas para incriminar o suposto inimigo.
É por isso que fica difícil acreditar quando eles "encontram" computadores
comprometedores, cheios de informações preciosas, documentos enterrados em
quintais e assim por diante, como já aconteceu no Irã.
Mas vamos à pergunta em questão no tribunal da Virgínia: quem passou as
informações para o jornalista? Risen foi ameaçado de prisão por se recusar a
revelar a fonte de informação do livro. Na verdade, ele diz que foram várias. A
promotoria, ou seja, o departamento de justiça do governo Obama, decidiu que
ele não será obrigado a testemunhar no processo. Se fosse e se recusasse a
contar a origem das informações, ele seria preso. Mas a justiça tenta provar
que Jeffrey foi o grande responsável. Ou melhor, o "irresponsável"
que denunciou o grande plano da CIA e por isso deve passar o resto da vida na
cadeia. Até agora a promotoria não apresentou nenhuma prova de que Jeffrey
contou tudo ao jornalista. Como ele não é a única pessoa que poderia ter
passado informações a Risen, não vai ser fácil incriminar Jeffrey. O ex-agente
era um dos únicos afro-americanos da organização e antes da denúncia, entrou
com um processo de discriminação contra a CIA. Agora é acusado de ter investido
contra o antigo empregador porque nunca foi compensado no processo de
discriminação.
O melhor de tudo isso é que para tentar responsabilizar Jeffrey e mandar
o ex-agente para a cadeia, a CIA está sendo obrigada a se expor. A contar
detalhes das trapalhadas que planeja e executa. Espantoso é o número de
assentos vazios no tribunal. O desinteresse flagrante da mídia americana. Mas é
fácil imaginar o filme de intriga e espionagem nas telas. O script está
prontinho. E como sempre, a ficção vai fazer um tremendo sucesso. Mas a
realidade, por enquanto, tem atraído um público minúsculo.