terça-feira, 13 de janeiro de 2015


Verão de escaldantes incertezas

Para manter um bom desempenho econômico, os EUA precisam da recuperação global, que por sua vez depende da continuidade de juros internacionais baixos

Rogerio Studartrogerio.studart@brasileconomico.com.br

Estou de passagem pelo Brasil, chegando de um frio abaixo de 0 graus de Washington. Encarar o Rio de Janeiro a 40 graus centígrados para mim é uma mistura de surpresa, alivio, e muitas vezes, sofrimento. Uma sensação que, imagino, possa prevalecer entre analistas que tentam avaliar as consequências, para o mundo e para o Brasil, de duas grandes surpresas: a queda do preço do petróleo no mercado internacional e dos juros de longo prazo nos Estados Unidos (EUA).

A surpresa começa com o fato de que ninguém imaginaria que o banco central de lá (o Fed) demorasse tanto a acenar para um aumento das taxas de juros básicas. Tampouco, evidentemente, que as taxas de longo prazo pudessem cair a esta altura do campeonato. A verdade, entretanto, é que, apesar do crescimento e especialmente da melhora no mercado de trabalho norte-americano, não há nem razão técnica para juros altos nos EUA. Afinal, não há sinal de risco inflacionário à vista, nem tão pouco estímulo para as autoridades monetárias daquele país incentivarem essa alta. De fato, para manter um bom desempenho econômico, os EUA precisam da recuperação global, que por sua vez depende da continuidade de juros internacionais baixos. Permitir neste momento o aumento das taxas de juros seria, para o Fed, arriscar a possibilidade de agravamento de uma situação global que parece teimar em deteriorar-se a cada mês.

Para a segunda supresa há, sim, razões técnicas: a queda do preço do petróleo é, em parte, fruto de uma demanda global fraca, e do aumento da produção “alternativa” norte-americana, com base em óleo de xisto. Porém, o que tem causado estranhamento tem sido a disposição do cartel internacional do petróleo de não resistir ao movimento de queda. Alguns países produtores não resistem há muito tempo a essa tendência (o exemplo mais dramático é a Venezuela, que mesmo antes do tombo do preço do petróleo, já tinha uma situação fiscal delicada). Mas outros, como por exemplo, a Arábia Saudita tem um custo de produção de petróleo baixíssimo, o que lhes permite aguentar o tranco por tempo suficiente para comprometer diretamente os produtores com custo mais elevado — como por exemplo, os produtores de óleo de xisto norte-americanos.

Para nós brasileiros, as duas surpresas podem trazer algum alívio. Afinal, a queda das taxas de juros de longo prazo nos EUA garante afasta o risco de saídas significativas de capital, no momento em que as incertezas domésticas e internacionais poderiam criar incentivos nesse sentido. Isso permite que a desvalorização do nosso real possa ser melhor controlada pelas autoridades monetárias, sem custos elevadíssimos para o banco central (ou para o erário). E uma desvalorização mais suave, necessária (mas não suficiente) para a recuperação da competitividade; pode reduzir os problemas nas contas externas, além de evitar riscos inflacionários e, portanto, elevações ainda maiores das taxas de juros.

O sofrimento vem do fato de que nenhum destes resultados é garantido. Por exemplo, se os próximos indicadores de trajetórias de preços nos EUA indicarem qualquer tendência inflacionária por lá, o Fed se verá obrigado a atuar no sentido de aumentar os juros. Isto poderia provocar fluxos de saída de capital, pressionar ainda mais o câmbio, levando a respostas mais fortes por parte das nossas autoridades monetárias — em um momento em que nossas taxas de juros reais são muito altas. Se o preço do petróleo subir muito rapidamente, pode ajudar a valorizar as ações da Petrobras, mas terá efeito recessivo sobre os nossos mercados internacionais e pode, caso repassado para os preços internos, gerar pressões inflacionárias no país. Claro que, como há um número de combinações das trajetórias da taxa de juros internacionais e preços do petróleo, aumenta significativamente o grau de incerteza que permeia o mercado internacional. E nada atrapalha mais os investimentos do que o excesso de incerteza.

Este verão tem portanto tudo para ser lembrado não só pelas altas temperaturas no Brasil, mas também como meses de grandes incertezas nos mercados, nacionais e internacionais. A sorte é que nós, brasileiros, conhecemos bem e estamos bem preparados para enfrentar enfrentar altas temperaturas. Também temos recursos suficientes e sabemos como surfar pelas águas internacionais movimentadas. Tudo é questão de manter a cabeça fria, e seguir em frente.