Prefeituras cobram R$ 1 bi
da Vale por royalties atrasados
A queda de 40% na
arrecadação em 2014 levou os municípios produtores de minério de ferro a
pressionar a empresa para agilizar o pagamento de uma dívida por dedução
indevida de custos de transporte
Nicola
Pamplonanicola.pamplona@brasileconomico.com.br
As exportações brasileiras de minério de ferro bateram recorde em
dezembro, mas os baixos preços praticados no mercado internacional se tornaram
a principal dor de cabeça de municípios produtores da commodity. Segundo dados
do Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM), a arrecadação com a
Compensação Financeira pela Exploração de Minério (Cfem) sobre a produção de
ferro e minério de ferro caiu 40% em 2014. A perda de receita levou prefeitos
de Minas Gerais a reforçar a pressão sobre a Vale pela cobrança de uma dívida
em Cfem recolhida a menos no período entre 1996 e 2000.
“Estamos vivendo uma crise no país, que se reflete em redução das
receitas do Fundo de Participação dos Municípios, e, para piorar, o minério
caiu de US$ 140 para US$ 70 por tonelada”, diz Celso Cota, prefeito de Mariana
(MG) e presidente da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais
(Amig). A queda do preço do minério impacta diretamente os municípios, que
dividem 65% da arrecadação da Cfem — o restante é dividido entre estados (23%)
e o DNPM (12%). A receita com a rubrica foi de R$ 1,080 bilhão em 2014, 40,5%
abaixo dos R$ 1,815 bilhão arrecadados em 2013. Foi o pior valor desde 2010.
A expectativa da Amig é que a arrecadação seja ainda menor em 2015, uma
vez que o ano já começa com as cotações em baixa. “No ano passado, ainda
tivemos meses com minério acima de US$ 100. Agora, começamos com US$ 70. A
arrecadação da Cfem deve cair 40% a 50%”, calcula Cota. “Além disso, há perdas
com repasses do Imposto de Renda Retido na Fonte e com o ISS que é gerado
quando há investimento das mineradoras nos municípios”, acrescenta o presidente
da Amig, ressaltando que 90% das prefeituras associadas têm grande dependência
dos recursos gerados pela atividade de mineração.
A preocupação com a situação financeira levou a Amig a pressionar a Vale
e o governo federal a equacionar uma dívida com Cfem arrecadada a menos entre
os anos de 1996 e 2000, que os municípios entendem chegar a R$ 1 bilhão. No
último dia 22, Cota esteve na sede da mineradora, no Rio, para negociar com o
presidente da companhia, Murilo Ferreira. O valor, segundo a Amig, refere-se a
deduções de custos de transporte feitas pela empresa no passado, que reduziram
o pagamento da Cfem — que equivale a 2% da receita líquida de cada mina. “A
Vale usava como despesa toda a movimentação interna do minério”, explica.
A empresa já havia concordado em pagar cerca de R$ 1 bilhão referentes
ao período entre 2001 e 2006. Os municípios entendem que há jurisprudência no
Superior Tribunal de Justiça para a cobrança sobre os cinco anos anteriores. A
Vale discorda dos valores apresentados pela Amig e diz esperar posicionamento
da Justiça e do DNPM para submeter o tema à avaliação de seu Conselho de
Administração.
A empresa afirmou ter enviado consulta ao DNPM para esclarecer se a
jurisprudência no Superior Tribunal de Justiça (STJ) estende, de fato, para 10
anos o prazo de decadência e prescrição para a cobrança da Cfem — o que
justificaria o pagamento dos anos entre 1996 e 2000 — mas o órgão federal
alegou que precisa esperar que o Supremo Tribunal Federal (STF) decida sobre o
assunto antes de decidir a questão.
“A Vale reitera que, se corrigidas as cobranças existentes pela adoção
da jurisprudência atual do STJ, devidamente respaldada por um posicionamento da
Advocacia Geral da União, poderá examinar o assunto e submeter ao Conselho de
Administração uma proposta de adoção do mesmo entendimento, para a quitação do
transporte externo, não destacado em nota, no valor de R$ 300 milhões”, conclui
a mineradora, em comunicado oficial.
Segundo Cota, a definição do valor final depende ainda de análises do
DNPM, que é o órgão responsável por fiscalizar a arrecadação da Cfem. Ele
espera que as partes envolvidas cheguem a um acordo neste primeiro trimestre,
“Estamos esperando apenas que o novo ministro defina sua equipe, quem vai ficar
no DNPM, para retomarmos as negociações”, diz. Os recursos, quando pagos, serão
divididos entre municípios mineiros e paraenses, além dos governos dos dois
estados.
Segundo o presidente da Amig, a crise dos preços do minério reforça a
busca por novas fontes de renda pelas prefeituras das cidades mineradoras.
“Vivemos o ciclo do ouro e agora estamos vivendo o ciclo do minério de ferro.
Está na hora de planejar um novo ciclo”, comenta o prefeito de Mariana. Em seu
município, diz ele, uma das apostas está no setor de turismo, com a
qualificação de empreendedores de hotelaria e serviços e a definição de um
calendário anual de eventos para atrair visitantes.
No final do ano, o preço do minério no mercado internacional atingiu a
menor cotação desde meados de 2009, quando ainda sofria os efeitos da crise
econômica de 2008. O cenário difícil para as mineradoras, provocado pelo
excedente de oferta global, deve se manter por todo o ano de 2015, segundo
projeções de analistas e executivos das principais companhias do setor.