sexta-feira, 16 de março de 2012

Justiça Federal do Pará rejeita denúncia contra o major Curió
RIO - O juiz federal João César Otoni de Matos, de Marabá, rejeitou no início da tarde desta sexta-feira denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o coronel da reserva Sebastião Rodrigues de Moura, o major Curió, pelo crime de sequestro qualificado contra cinco militantes, na região do Araguaia na década de 70. Em sua decisão, o magistrado argumenta que não se pode fugir da Lei da Anistia.

"Pretender, depois de mais de três décadas, esquivar-se da Lei da Anistia para reabrir a discussão sobre crimes praticados no período da ditadura militar é equívoco que, além de desprovido de suporte legal, desconsidera as circunstâncias históricas que, num grande esforço de reconciliação nacional, levaram à sua edição", escreveu o juiz João César Matos.
Segundo a denúncia do MPF contra Curió, o grupo foi sequestrado por tropas comandadas pelo militar entre janeiro e setembro de 1974. Após sessões de tortura, não houve mais notícia do paradeiro de nenhum deles. Para driblar a Lei de Anistia - que, em 1979, perdoou os ilícitos cometidos por militares e militantes -, os procuradores alegaram que o crime de sequestro é permanente enquanto as vítimas não forem encontradas. Com isso, os casos não poderiam ser enquadrados na Lei de Anistia.
O juiz federal, no entanto, ressalta que o MPF não fez referência, na denúncia, "a documento ou elemento concreto que pudesse, mesmo a título indiciário, fornecer algum suporte à genérica alegação de que os desaparecidos a que se refere teriam sido - e permaneceriam até hoje - sequestrados."
Para o magistrado, não basta, para configurar o crime de sequestro apenas o fato de os corpos dos desaparecidos não terem sido localizados.
"Aliás, dada a estrutura do tipo do sequestro, é de se questionar: sustenta o parquet [Ministério Público] que os desaparecidos, trinta e tantos anos depois, permanecem em cativeiro, sob cárcere imposto pelo denunciado? A lógica desafia a argumentação exposta na denúncia", diz o juiz federal.
João César Matos acrescenta ainda que, mesmo se o sequestro fosse admitido, a pretensão punitiva já estaria prescrita, ou seja, o Estado não poderia mais puni-lo. Isso porque, segundo o magistrado, "diante do contexto em que se deram os fatos e da extrema probabilidade de morte dos desaparecidos, haveria mesmo de se presumir a ocorrência desse evento morte."
Além disso, o juiz lembra que "os desaparecidos mencionados na denúncia do Ministério Público Federal foram oficialmente reconhecidos como mortos pelo artigo 1º da Lei nº 9.140, de 04.12.1995, data que seria, então, o termo inicial do prazo prescricional relativamente ao delito do artigo 148 do CP (sequestro), cuja pena máxima, na forma do seu parágrafo 1º, é de oito anos".
O juiz ainda rebateu os argumentos segundo os quais o julgamento proferido pelo Corte Internacional dos Direitos Humanos teria a força para afastar a aplicação da Lei de Anistia em casos como os relatados na denúncia oferecida contra o Major Curió.
"A Lei da Anistia operou, para situações concretas e específicas, efeitos imediatos e voltados para o passado".
E referiu-se a entendimento do ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Eros Grau, para quem a Lei da Anistia "tratou de uma lei-medida, não de uma regra genérica e abstrata para o futuro".