quinta-feira, 11 de junho de 2015


Combinaram com os russos?

O êxito do plano de logística não está assegurado. E o motivo é simples: nada garante que haverá interesse dos empresários pelo cardápio de projetos

Octávio Costaocosta@brasileconomico.com.br

Quando visitou a Rússia em dezembro de 2012, a presidente Dilma Rousseff recorreu a um episódio lendário da Copa de 1958 para relatar suas conversas com Vladimir Putin sobre a estratégia dos Brics nos fóruns globais. “Eu vim aqui combinar com os russos, desta vez”, brincou ela, ao lado do anfitrião, referindo-se ao diálogo entre Garrincha e o treinador Vicente Feola. Como consta da crônica esportiva, Feola chamou o craque das pernas tortas para dar conselhos sobre sua atuação contra a Rússia e fez questão de detalhar como deveria ser a atuação do ponteiro, todos seus movimentos, os avanços pela lateral direita do campo e os cruzamentos precisos para a grande área. Mané Garrincha ouviu tudo com atenção e, ao final, fez a pergunta que se tornou antológica: “Tudo certo, mas o senhor combinou com os russos?”. Dilma recorreu ao folclore de nossa seleção, mas mostrou pouco intimidade com o futebol. Disse que a Copa da Suécia foi realizada na Rússia e trocou a final pelas oitavas de final. E até hoje, não se sabe se Putin entendeu a brincadeira, mesmo com ajuda dos tradutores.

Mas os brasileiros conhecem bem as peripécias de Garrincha. E ontem a célebre pergunta voltou a ser lembrada, a propósito do Programa de Investimentos em Logística, ou apenas PIL de acordo com a sigla oficial. Do total de R$ 198,4 bilhões, o governo prevê que R$ 69,2 bilhões serão aplicados até 2018 e os restantes R$ 129,2 bilhões, a partir de 2019, após o fim do segundo mandato de Dilma. Nas estimativas dos formuladores do PIL, graças a leilões de concessão, haverá investimentos em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. O BNDES deve financiar até 90% dos projetos de ferrovias e o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, garante que não vai faltar dinheiro para os projetos. “Não adianta querer apostar que não vai dar certo”, advertiu Levy. Se vai dar certo ou não, só o futuro dirá. Mas pelo menos um projeto já está sendo descartado pelos especialistas. Dizem que a Ferrovia Bioceânica, que ligará Goiás ao Peru e está orçada em R$ 40 bilhões, terá o mesmo destino do trem-bala. Não sairá do papel.

Na verdade, o êxito do pacote de concessões não está assegurado. E o motivo é simples: nada garante que haverá interesse automático dos empresários pelos projetos de infraestrutura. O momento da economia é ruim e há sérias dúvidas sobre as taxas de retorno e as condições finais de licitação, que ainda terão de receber sinal verde do Tribunal de Contas da União. Apesar de destacar a importância do pacote de concessões, o presidente da Confederação Nacional da Indústria, Robson Andrade, lembrou, em rápida entrevista, que “os projetos importantes do passado tiveram questões de financiamento, que demora muito a ser aprovado”. Ele também citou as dificuldades que envolvem o licenciamento ambiental: “Você faz um projeto para ser realizado em quatro, cinco anos e demora dois, três anos para ter o licenciamento ambiental”. Com isso, segundo o pesidente da CNI, “o custo dos projetos aumenta e a rentabilidade esperada fica muito abaixo da prevista”.

Robson Andrade faz o que se espera dele ao avaliar com realismo o plano de logística. Diante do majestoso cardápio de projetos do novo PIL, ele poderia repetir Garrincha e perguntar aos ministros de Dilma: “Os senhores combinaram com o setor privado?”.