segunda-feira, 22 de junho de 2015


Massacre na Carolina do Norte corre o risco de só virar estatística

Não importa o tamanho da tragédia, o resultado é sempre o mesmo. Uma semana de comoção na mídia, discursos, lágrimas e a vida volta ao normal

Heloísa Villela heloisa.vilela@brasileconomico.com.br

Quase todos os rostos emoldurados nas paredes da galeria de arte da rua 20, em Manhattan, olham para o vazio, para os lados, talvez para o além. As pessoas que se deixaram fotografar pelo nova-iorquino Joe Quint, fotógrafo responsável pela exposição inaugurada na última quinta-feira, passaram por um trauma semelhante: foram baleadas ou perderam uma pessoa querida por conta do acesso fácil às armas nos Estados Unidos. São pais das vítimas de massacres famosos, como o do cinema de Aurora, no Colorado, ou irmãos de jovens mortos que não chegaram a ser notícia. Outros sobreviveram mas já não podem contar o que passaram porque a bala que atingiu o cérebro eliminou a fala, ou prejudicou o raciocínio. Em outra foto, um rapaz negro, de camiseta branca, afasta uma fresta da cortina de casa e espia a rua. Ele já foi baleado tantas vezes que hoje em dia tem medo de andar na rua.

A exposição foi inaugurada em Nova York menos de vinte e quatro horas após Dylan Roof entrar em uma tradicional igreja negra da Carolina do Norte e matar nove pessoas que participavam de um estudo semanal da bíblia. Entre elas, o pastor e senador estadual Clementa Pinckney. O presidente Barack Obama se recusou a soltar mais um comunicado lamentando mortes, dando apoio às famílias das vítimas e etc. Agora ele fez questão de ressaltar: foi a décima quarta vez que se viu na mesma situação em seis anos e meio à frente da Casa Branca. Obama voltou a defender uma mudança na lei que torne mais difícil comprar armas no país. “Todo país tem pessoas que odeiam ou que são mentalmente instáveis. A diferença é que nem todo país está mergulhado em armas de fácil acesso. Então, me recuso a agir como se esse fosse o novo padrão de normalidade. Ou a fazer de conta que é suficiente fazer o luto, como se agir fosse apenas uma tentativa de politizar o problema”.

Dylan Roof tem apenas 21 anos. Aparentemente, acha que os Estados Unidos precisam expulsar os negros do país. “Vocês violam nossas mulheres, estão tomando conta do país. Vocês precisam sumir”, teria dito enquanto recarregava a arma dentro da igreja que escolheu como alvo da matança. Crime que ele esperava se tornar o estopim de uma nova guerra civil. Na placa do carro ele levava o símbolo da Confederação de estados do sul que defendia a manutenção da escravidão e tentou se separar do resto do país em 1861. A bandeira da confederação ainda é motivo de orgulho para muita gente no estado. Há poucas quadras da igreja onde Dylan matou nove pessoas existe hoje o Museu da Confederação, erguido no local que serviu, no passado, como mercado de compra e venda de escravos. Muitos brancos da Carolina do Sul ainda hoje falam da briga pela secessão com orgulho. A pergunta é: até quando? Como eliminar o racismo ainda tão evidente? Até quando tratar como mais uma notícia de impacto a morte violenta de tantas pessoas?

Os rostos nas fotos expostas em Nova York não sofrem exclusivamente porque uma pessoa um dia pegou uma arma e decidiu matar meia dúzia. Muitos olhos sofridos ali viram filhos tirarem a vida de amigos por descuido, ao manipular uma arma que encontraram em casa. Outros tantos num momento de desespero abriram a gaveta do pai ou da mãe e acharam ali o alívio rápido para a agonia com a qual já não conseguiam conviver. São vários os casos, as circunstâncias, os aparentes motivos. Mas as armas estavam sempre ali, disponíveis. Dylan Roof ganhou recentemente uma pistola de presente de aniversário dos pais.

Infelizmente, ele é apenas mais um. E não vai mudar nada. Não importa o tamanho da tragédia, o resultado é sempre o mesmo. Uma semana de comoção na mídia, discursos, lágrimas e a vida volta ao normal. A resposta da Associação Nacional do Rifle, o principal lobby a favor do porte de arma irrestrito, é sempre a mesma: se todo mundo na igreja estivesse armado, o número de mortos seria menor. Será?

A governadora da Carolina do Sul, Nikki Haley, imediatamente pediu a pena de morte para Dylan Roof. Foi uma reação bem diferente da que tiveram os parentes das vítimas da igreja afro-americana. Quando Dylan apareceu no tribunal pela primeira vez, para ser indiciado pelos nove assassinatos, eles estavam lá. Pediram à justiça o direito de dirigir algumas palavras ao assassino, o que é comum na hora de ler a sentença de um culpado. No dia em que ele é indiciado, isso é muito raro. Mas a justiça concedeu o pedido. Três dias após sofrerem o golpe mais duro que qualquer pessoa pode viver. Foi nesse tom que eles se dirigiram ao rapaz:

— Você me roubou algo muito precioso. Nunca mais vou falar com ela. Abraçá-la. Mas te perdoo. E tenho pena da sua alma, disse Nadine Collier, filha de Ethel Lance, morta no massacre.
— Você matou algumas das pessoas mais bonitas que eu conheço. Todas as fibras do meu corpo estão doendo e eu nunca mais serei a mesma. Tywanza Sanders era meu filho. E meu herói. Que Deus tenha pena de você. O filho de Felicia Sanders tinha 26 anos.