segunda-feira, 15 de junho de 2015


Manhattan é o paraíso de milionários

Na ilha, russos e chineses lideram a enxurrada de dinheiro estrangeiro que alimenta a valorização sempre crescente dos imóveis

Heloísa Villela heloisa.vilela@brasileconomico.com.br

A torre de 68 andares é uma mistura de edifício residencial e conjunto de boutiques de luxo. A entrada imponente, que tem sempre um segurança engravatado na porta, é vizinha de porta da joalheria mais conhecida do mundo, a Tiffany's. Aquela que Awdrey Hepburn admirava, sonhadora, de chapéu e vestido pretos, na primeira cena do filme “Bonequinha de Luxo”. Os quarteirões ao sul abrigam as boutiques mais caras da cidade. Ao norte ficam o tradicional Hotel Plaza e as primeiras árvores do Central Park. O edifício em questão tem nome famoso: Trump Tower.

Erguido pelo magnata do mercado imobiliário e dos cassinos de Atlantic City, o espigão de fachada de vidro escuro já faz parte da história dos desmandos do futebol mundial. O segurança que estava na entrada, na tarde da sexta-feira, não estranhou o interesse da jornalista latino-americana. “Nós já sabemos que vão aparecer outros jornalistas por aqui”, disse ele.

Foi ali que o ex-executivo da FIFA e da Concacaf, Chuck Blazer, alugou dois apartamentos no passado. Um para ele e outro para os gatinhos de estimação. Blazer é o réu confesso que devolveu quase US$ 2 milhões à justiça americana e passeou em Londres, durante as Olimpíadas de 2012, com um chaveiro estilo James Bond.

O objeto tinha um microfone embutido que ele usou para gravar conversas com cartolas graúdos. Chuck Blazer ajudou a justiça americana a construir a acusação contra os tubarões do futebol que foram cinematograficamente presos na Suíça. Entre eles, um vizinho de condomínio. O brasileiro José Maria Marin, ex-presidente da CBF.

Marin é dono de um apartamento de 101 metros quadrados no mesmo Trump Tower da Quinta Avenida. O imóvel não foi comprado no nome de Marin mas no de uma empresa com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, um conhecido paraíso fiscal. Mas Manhattan também é uma ilha e pelo que mostra o levantamento detalhado do New York Times, que os jornalistas Louise Story e Stephanie Saul levaram um ano inteiro para completar, pode ser chamada de paraíso fiscal para os milionários do mundo.

Esses milionários fazem exatamente o que Marin fez. Compram imóveis no nome de empresas de fachada, que não produzem nada e não têm atividade econômica de fato. Servem apenas para esconder dinheiro arrecadado ilicitamente e que precisa ser lavado.

Marin não foi tão cuidadoso como foram alguns políticos russos, banqueiros chineses e ricaços mexicanos. Ele assinou uma procuração ao advogado que efetuou a compra do apartamento. O nome dele está lá, bem nítido, na papelada que autoriza o advogado a fechar a compra. Em muitos outros casos, o nome do comprador ou dono da empresa é ilegível e é praticamente impossível descobrir quem realmente está por trás da compra.

Mas os Estados Unidos que estão agora ávidos para prender os grandes corruptos do futebol são também um ímã para o dinheiro sujo que circula pelo mundo. O mercado imobiliário de Manhattan é um paraíso para quem quer se esconder do fisco no país de origem. A legislação federal diz que as instituições financeiras não podem ajudar a esconder dinheiro de corrupção. Mas os corretores de Manhattan contam que aqui ninguém procura saber a origem do dinheiro usado para comprar as unidades mais caras da cidade. Nem os bancos que financiam as compras, muito menos as administradoras dos condomínios luxuosos.

Em junho de 2011 um senador russo comprou um apartamento no famoso Time Warner Center, no Columbus Circle, de frente para o Central Park, e pagou à vista: US$ 20,5 milhões! O nome do político e a compra no mínimo intrigante só vieram à tona quando ele foi implicado em um gigantesco caso de corrupção.

O tal político foi intermediário na renegociação da dívida de Angola com a Rússia. Em 2014, segundo levantamento do Times, 80% das unidades do Time Warner Center eram de propriedade de empresas de fachada. E foram essas empresas que garantiram metade das compras de imóveis na cidade no ano que passou.

Uma corretora brasileira que trabalha com o aquecidíssimo mercado de alto luxo na Flórida me contou, recentemente, que os latino americanos são disparados os grandes compradores por lá. “É muita gente tentando esconder dinheiro aqui”, me disse ela. E quem são os primeiros da lista? Brasileiros e venezuelanos.

Em Manhattan, russos e chineses lideram a enxurrada de dinheiro estrangeiro que alimenta a valorização sempre crescente dos imóveis garantindo o que um corretor aqui constatou na semana passada: esta ilha vai se tornar área exclusiva de milionários. Não vai sobrar metro quadrado acessível para o salário de trabalhadores de classe média.

Só não sei onde vão morar os cozinheiros, garçons, motoristas de táxi, faxineiros e babás que atendem toda essa gente.