‘O Brasil está pirando’
A livraria Leonardo
Da Vinci, no Centro do Rio de Janeiro, é uma pérola rara num país que não ama
os livros
Octávio Costaocosta@brasileconomico.com.br
Monteiro Lobato é o autor da frase célebre que ainda hoje significa um
desafio: “Um país se faz com homens e livros”. Nestes dias politicamente
corretos, há que se falar de homens e mulheres, mas o que nos faz falta mesmo
são os livros. Nossa juventude não gosta ler e a população, em média, lê no
máximo quatro livros por ano. É muito pouco comparado, por exemplo, à Espanha,
onde a média anual é de 10 livros. Não é por acaso que as livrarias nas grandes
cidades brasileiras vão desaparecendo aos poucos. Sobrevivem apenas grandes
redes, como a Cultura e a Saraiva (a Fnac vende de tudo, até livros). No Rio de
Janeiro, chamou a atenção há duas semanas o anúncio do fechamento da
tradicional Leonardo Da Vinci. Instalada no subsolo do Edifício Marquês do
Herval, na Avenida Rio Branco, a livraria, aos 63 anos de vida, está entregando
os pontos. Não resistiu à internet e ao e-book, além de sofrer com o
esvaziamento do Centro do Rio.
A Leonardo Da Vinci também é vítima dos tempos modernos. Sua clientela
envelheceu e Milena Duchiade, que assumiu a gestão da loja no lugar de sua mãe,
dona Vana, também já completou 60 anos. Quem gosta de livros no Rio tem sempre
uma história para contar sobre dona Vana. Muitos são os casos de estudantes e
jornalistas que foram pegos com a mão na botija, tentando levar um livro
escondido sem passar pelo caixa. Flagrados pelos seguranças, levavam um sabão
da proprietária, que, depois, lhes oferecia um parcelamento ou o empréstimo,
com data para a devolução. Ela sabia que nem todos tinham recursos para pagar
as cobiçadas e necessárias obras literárias. Nas estantes da Leonardo Da Vinci,
havia e ainda há verdadeiros tesouros em vários idiomas. Durante muitos anos,
no Rio, só dona Vana recebia encomendas de livros estrangeiros, o que tornava
cativa sua clientela de escritores famosos, encabeçada por ninguém menos que o
poeta Carlos Drummond de Andrade.
Há quem argumente que o fim da Leonardo Da Vinci não tem nada a ver com
a pouca importância que nossos governantes dão à Cultura e à Educação. Lembram
que Nova York também viu fechar a centenária Gotham Book Mart, na rua 46, e a
belíssima Rizzoli, na rua 57. É fato, mas são exemplos de pontos comerciais que
não resistiram à especulação imobiliária; as duas charmosas livrarias deram
lugar a prédios supervalorizados no centro de Manhattan. O caso da Da Vinci é
diferente. A todos os frequentadores que estão surpresos com a decisão da
família Duchiade, Milena explica que o principal motivo — ao contrário de NY —
é a crise do comércio no Centro do Rio provocada por obras intermináveis. Ela
gostaria que alguém, com mais fôlego financeiro, levasse o negócio adiante.
Parece que há candidatos, mas, na pior hipótese, a maravilhosa livraria vai
desaparecer.
Na verdade, a Leonardo Da Vinci é uma pérola rara num país que não ama
os livros. Fica, porém, o protesto do escritor americano Benjamin Moser, autor
de uma biografia definitiva de Clarice Lispector: “Esses lugares não surgem à
toa. Não devemos pensar que são facilmente substituíveis. É preciso gerações
para construir uma história e um acervo como o da Leonardo Da Vinci”. Diante da
morte anunciada da livraria, Moser conclui que “o Brasil está pirando”. Tem
razão. No Brasil, em lugar de cobrar mais investimento em Educação, os
políticos querem menores de 18 anos na prisão.