Projeto de ferrovia bioceânica mais
econômico nunca saiu do papel
Estudo encomendado pelo
BNDES em 2011 mostra que ligação com o porto de Antofagasta, no Chile, custaria
um quinto do valor do projeto que liga o Brasil ao Peru
deco.bancillon@brasileconomico.com.br
Brasília - Responsável por um quarto do Programa de Investimentos em Logística
(PIL) do governo federal, o projeto que prevê a construção de uma ferrovia
bioceânica ligando o Brasil a portos no Pacífico poderia custar um quinto dos
R$ 40 bilhões previstos para viabilizar a obra apenas no trecho nacional. A
conclusão é de um estudo divulgado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) em 2011, que, apesar de sugerir um traçado mais
fácil e barato para a construção da Bioceânica, nunca chegou a sair do papel.
Encomendado pelo banco estatal em 2009, o estudo tem 350 páginas
e levou dois anos para ficar pronto. Entre os resultados levantados, o trabalho
constatou que a opção mais viável para a construção de uma ferrovia bioceânica
partiria de traçados já existentes na região sul do continente, partindo do
Brasil e cruzando a Argentina e o Paraguai até chegar ao Chile. O BNDES pagou
R$ 5,993 milhões pelo material. Trazido a valor presente, o custo da pesquisa
ao governo chegou a R$ R$ 8,859 milhões, considerando pagamentos feitos a seis
empresas contratadas via processo de chamada pública de projetos. Apenas a
Vetec Engenharia, uma das companhias integrantes do consórcio vencedor da
chamada pública, recebeu R$ 2,5 milhões, considerando valores atualizados,
pagos entre 2009 e 2011.
Procurado, o BNDES disse que não faria “comentários adicionais”
sobre o tema e mencionou que a finalidade do estudo seria “transmitir
conhecimentos à sociedade” e que conclusões do trabalho não podem ser
atribuídas ao banco. “Não há, necessariamente, vinculação entre a realização de
um estudo e a implantação de uma determinada ação de política pública sugerida
por ele”, assinalou o banco estatal, em nota.
Ao todo, a obra teria 3,2 mil quilômetros, considerando os
portos de Paranaguá, no Paraná, e Antofagasta, no Norte do Chile. Cerca de 600
quilômetros a menos, portanto, que o traçado proposto pelo governo para o
projeto desenvolvido por Brasil, China e Peru. Outro diferencial do traçado
pelo Chile seria o custo: US$ 2,727 bilhões, ou R$ 8,510 bilhões pela cotação
de fechamento do dólar de ontem. A diferença de valores em relação aos R$ 40
bilhões estimados pelo governo para erguer a ferrovia apenas no lado brasileiro
se deve a um conjunto de variáveis, entre as quais a possibilidade de
integração com estradas de ferro existentes e o financiamento compartilhado da
obra entre todos os países beneficiados.
Considerando o desembolso necessário para viabilizar o
empreendimento, o Brasil teria de arcar com cerca de US$ 510 milhões — pouco
mais de R$ 2,3 bilhões, em valores corrigidos. O investimento seria totalmente
recuperado em 30 anos, segundo simulações do estudo, que consideram economia
com o transporte de cargas pelo modal ferroviário, cujo custo em longas
distâncias é mais interessante que o escoamento da produção por rodovias.
Outra possibilidade de redução de custos se deve à diferença de
traçados. No estudo concluído em 2011, os especialistas consideraram quatro
possibilidades de rotas para a ferrovia ligando o Brasil a portos no Pacífico.
O material separa as opções existentes em quatro eixos geográficos: Amazônico,
Interoceânico Central, Mercosul e Capricórnio. Para os pesquisadores, a última
opção se mostrou mais viável, por contemplar “10 possíveis rotas para
corredores de integração entre as costas do Atlântico e do Pacífico da América
do Sul, envolvendo cada um deles diferentes modais logísticos”, conforme frisa
trecho do estudo.
Para chegar a tal conclusão, os pesquisadores avaliaram cada
eixo em quesitos como redução de custos para empresas, complementariedade das
redes ferroviárias já existentes, abrangência espacial do empreendimento e
integração econômica da região. Dos quatro eixos, apenas o Amazônico e o
Interoceânico Central, justamente onde se propõe construir a nova ferrovia
bioceânica, foram avaliados como de baixa redução de custos de transportes das
áreas afetadas, abrangência espacial limitada e baixa complementariedade das
redes ferroviárias.
Um técnico que participou da equipe que produziu o estudo
descreve como “uma surpresa” a decisão do governo de optar pela construção da
ferrovia justamente na região “menos favorável” para a realização de uma obra
dessa complexidade logística. “Quando pensamos nessa possibilidade de ligação
pela região amazônica, ela foi prontamente descartada, porque a gente viu que
as dificuldades de cortar a selva seriam extremas”. Na avaliação do professor
da Universidade de São Paulo (USP) Celso Grisi, um dos motivos que pode ter
pesado à favor da escolha do novo traçado é a maior integração política entre
Brasil e Peru.