terça-feira, 16 de junho de 2015


Projeto de ferrovia bioceânica mais econômico nunca saiu do papel


Estudo encomendado pelo BNDES em 2011 mostra que ligação com o porto de Antofagasta, no Chile, custaria um quinto do valor do projeto que liga o Brasil ao Peru


Deco Bancillondeco.bancillon@brasileconomico.com.br

Brasília - Responsável por um quarto do Programa de Investimentos em Logística (PIL) do governo federal, o projeto que prevê a construção de uma ferrovia bioceânica ligando o Brasil a portos no Pacífico poderia custar um quinto dos R$ 40 bilhões previstos para viabilizar a obra apenas no trecho nacional. A conclusão é de um estudo divulgado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em 2011, que, apesar de sugerir um traçado mais fácil e barato para a construção da Bioceânica, nunca chegou a sair do papel.

Encomendado pelo banco estatal em 2009, o estudo tem 350 páginas e levou dois anos para ficar pronto. Entre os resultados levantados, o trabalho constatou que a opção mais viável para a construção de uma ferrovia bioceânica partiria de traçados já existentes na região sul do continente, partindo do Brasil e cruzando a Argentina e o Paraguai até chegar ao Chile. O BNDES pagou R$ 5,993 milhões pelo material. Trazido a valor presente, o custo da pesquisa ao governo chegou a R$ R$ 8,859 milhões, considerando pagamentos feitos a seis empresas contratadas via processo de chamada pública de projetos. Apenas a Vetec Engenharia, uma das companhias integrantes do consórcio vencedor da chamada pública, recebeu R$ 2,5 milhões, considerando valores atualizados, pagos entre 2009 e 2011.

Procurado, o BNDES disse que não faria “comentários adicionais” sobre o tema e mencionou que a finalidade do estudo seria “transmitir conhecimentos à sociedade” e que conclusões do trabalho não podem ser atribuídas ao banco. “Não há, necessariamente, vinculação entre a realização de um estudo e a implantação de uma determinada ação de política pública sugerida por ele”, assinalou o banco estatal, em nota.

Ao todo, a obra teria 3,2 mil quilômetros, considerando os portos de Paranaguá, no Paraná, e Antofagasta, no Norte do Chile. Cerca de 600 quilômetros a menos, portanto, que o traçado proposto pelo governo para o projeto desenvolvido por Brasil, China e Peru. Outro diferencial do traçado pelo Chile seria o custo: US$ 2,727 bilhões, ou R$ 8,510 bilhões pela cotação de fechamento do dólar de ontem. A diferença de valores em relação aos R$ 40 bilhões estimados pelo governo para erguer a ferrovia apenas no lado brasileiro se deve a um conjunto de variáveis, entre as quais a possibilidade de integração com estradas de ferro existentes e o financiamento compartilhado da obra entre todos os países beneficiados.

Considerando o desembolso necessário para viabilizar o empreendimento, o Brasil teria de arcar com cerca de US$ 510 milhões — pouco mais de R$ 2,3 bilhões, em valores corrigidos. O investimento seria totalmente recuperado em 30 anos, segundo simulações do estudo, que consideram economia com o transporte de cargas pelo modal ferroviário, cujo custo em longas distâncias é mais interessante que o escoamento da produção por rodovias.

Outra possibilidade de redução de custos se deve à diferença de traçados. No estudo concluído em 2011, os especialistas consideraram quatro possibilidades de rotas para a ferrovia ligando o Brasil a portos no Pacífico. O material separa as opções existentes em quatro eixos geográficos: Amazônico, Interoceânico Central, Mercosul e Capricórnio. Para os pesquisadores, a última opção se mostrou mais viável, por contemplar “10 possíveis rotas para corredores de integração entre as costas do Atlântico e do Pacífico da América do Sul, envolvendo cada um deles diferentes modais logísticos”, conforme frisa trecho do estudo.

Para chegar a tal conclusão, os pesquisadores avaliaram cada eixo em quesitos como redução de custos para empresas, complementariedade das redes ferroviárias já existentes, abrangência espacial do empreendimento e integração econômica da região. Dos quatro eixos, apenas o Amazônico e o Interoceânico Central, justamente onde se propõe construir a nova ferrovia bioceânica, foram avaliados como de baixa redução de custos de transportes das áreas afetadas, abrangência espacial limitada e baixa complementariedade das redes ferroviárias.

Um técnico que participou da equipe que produziu o estudo descreve como “uma surpresa” a decisão do governo de optar pela construção da ferrovia justamente na região “menos favorável” para a realização de uma obra dessa complexidade logística. “Quando pensamos nessa possibilidade de ligação pela região amazônica, ela foi prontamente descartada, porque a gente viu que as dificuldades de cortar a selva seriam extremas”. Na avaliação do professor da Universidade de São Paulo (USP) Celso Grisi, um dos motivos que pode ter pesado à favor da escolha do novo traçado é a maior integração política entre Brasil e Peru.